Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

29 junho 2006

 

Sondagem CM/Aximage II


A representatividade democrática no seu melhor: 52% dos eleitores do PS e 56,4% dos eleitores do BE concordam com o veto de Cavaco Silva à lei da paridade.

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Sondagem CM/Aximage I


27% dos portugueses vêem o governo de José Sócrates como sendo de direita ou centro-direita. 33,5% vêem-no como sendo de esquerda ou centro-esquerda. Aparentemente 39,5% dos portugueses não vê o governo.

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27 junho 2006

 

Ainda Sobre o Dinheiro e a Capitalização


Yet another "aparição" do Money Speech na blogosfera, desta vez no Speakers Corner. Não deixa de ser bom sinal, apesar dos comentários hilariantes que surgem.

De forma panfletária, o leitor Pedro Viana exorta (negritos meus): "Abaixo as Heranças! (...) Promova-se o esforço e o mérito! Por morte todos os bens do defunto serão postos a concurso para determinar quem mais merece possuí-los, quem tem o plano que mais dinheiro permite gerar a partir deles. Viva o mérito da melhor proposta! Viva o dinheiro ganho com mérito!" De uma só cajadada conseguia acabar com a propriedade privada e criar um mega-estado omnipresente para determinar o uso de todos os recursos! "Ganda" liberal! Viva la revolución!

Pelo seu lado, o Luis Lavoura comenta que a impossibilidade do dinheiro existir separado dos bens e mercadorias transaccionados justifica a sua posição sobre a capitalização na segurança social, que foi discutida aqui e aqui. Persistindo em que na capitalização o dinheiro apenas se multiplica "artificialmente" pelas taxas de juro e pela especulação bolsista, remata: "Como Marx bem dizia, o único valor, em última análise, é o valor do trabalho humano (e o valor dos recursos naturais, cujo possível esgotamento não era ainda encarado no tempo de Marx). Se não houver trabalho humano não há valor, e então o dinheiro de nada serve."

E assim se explica muita coisa sobre o Lavourismo. O Luis parece aceitar a ideia marxista de que o surplus value, a diferença entre o valor dos bens e serviços e o seu custo de trabalho, é indevidamente capturado pelo "capital". Quem acredita nisto, terá necessariamente de acreditar que o retorno ao investimento financeiro (a tal capitalização) é especulativo e não sustentável ao longo do tempo.

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23 junho 2006

 

O Novo Método Científico


O Diário Digital revela-nos hoje mais uma pérola da ciência moderna. "Estudo - Telemóvel podem ser um perigo durante tempestade" (negritos meus):
"Num artigo publicado na revista médica British Medical Journal, os peritos dizem ter constatado que o [telemóvel] pode atrair um raio quando usado [durante uma tempestade] (...) citam o caso de uma adolescente de 15 anos atingida por um raio enquanto falava ao telemóvel num parque da capital britânica (...) Os especialistas ficaram surpreendidos com a extensão dos ferimentos sofridos pela jovem e decidiram chamar a atenção para o caso e pedir aos fabricantes de telemóveis que alertem os consumidores (...) Segundo os especialistas, o metal do telemóvel atrai a corrente eléctrica para o organismo. Os médicos que atenderam a adolescente no Northwick Park Hospital têm registo de outros três casos, na China, Coreia do Sul e Malásia, em que as vítimas acabaram por morrer."
Agora já sabem: Quando forem passear no parque, perto de água, ou junto a árvores, durante uma tempestade ou trovoada, por favor não falem ao telemóvel.

Só fico com algumas dúvidas. Estes "peritos" são "especialistas" em quê? Desde quando é que um caso e o vago registo de mais três constitui um "estudo"? Se o metal do telemóvel atrai a "corrente eléctrica", porquê falar só de telemóveis? E os rádios de pilhas? E os aparelhos auditivos? E os pacemakers? E os relógios, pulseiras, brincos e outras bujigangas? E a malta que foi operada e tem placas de metal dentro do corpo? E quem é o imbecil que vai passear para o parque durante uma trovoada?

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Crianças com Pés Grandes Escrevem Melhor


Um post dois-em-um: o espírito copycat nas redações dos media e a incapacidade de algumas pessoas em distinguir correlação de causalidade.

Os tempos vão difíceis para os jornais. Vendas a cair, menos publicidade, logo, menos dinheiro para contratar jornalistas. Sai mais barato copiarem as notícias uns dos outros. O Diário de Notícias publicou no passado sábado uma notícia relativa a um estudo (PDF aqui) da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) sobre fraude académica e corrupção. No dia seguinte, Correio da Manhã, Diário Digital e Público seguiram os passos do DN (claramente as redações ao fim-de-semana funcionam a meio gás). Todos chegam mesmo a referir que a notícia é do DN. Isto de um jornal noticiar que outro jornal deu uma notícia é um espectáculo... Se bem que do ponto de vista de dar crédito ao autor original até faz mais sentido. A notícia também passou na SIC, com direito a entrevistas a estudantes e tudo, mas aí parece-me que já foi no seguimento de alguma espécie de press release ou acção de comunicação da FEP, pois também entrevistaram as autoras do estudo, Aurora Teixeira e Fátima Rocha. Um dia destes as notícias são como chain letters: "Publique esta notícia, mande-a para mais 3 jornais e terá mais sorte na vida. O Sr X recebeu esta notícia, deitou-a fora e no dia seguinte foi atropelado. A Sra Y meteu-a no arquivo e foi despedida."

De qualquer modo, o interessante é o tratamento do estudo em causa. O título do DN é "Alunos copiam mais nos países mais corruptos". Do CM é "Corrupção associada às cábulas na universidade", do DD "Países com mais cábulas são também os mais corruptos" e do Público "Estudo mostra que maioria dos universitários portugueses admite copiar". O título do DN acaba por ser o mais razoável. Os outros parecem insinuar que é o copianço académico que leva à corrupção. Ou no caso do Público, mostrando algum "nacional-umbiguismo", enfocando apenas num dos aspectos do estudo, que abarcou 21 países e não apenas Portugal.

O conteúdo dos artigos é praticamente igual e ignora a maior parte das conclusões do estudo, que tenta identificar o entorno social e académico que propicia altos níveis de fraude académica. No estudo, é manifestada a preocupação de que se os estudantes não perceberem o mal em "copiar" poderão também ter uma ética perversa mais tarde na sua actividade profissional. Mas essa é uma motivação para a realização do estudo e não o seu objecto. Isto é, em lado nenhum é sugerido que o copianço leva à corrupção. Quanto muito, e face a impossibilidade de descrever em detalhe o estudo, os jornais poderiam ter dito que altos níveis de corrupção numa sociedade pareciam ser um dos factores que contribuem para altos níveis de fraude académica.

Este erro, bastante comum, prende-se com a incompreensão das relações possíveis entre correlações e causalidades. O facto de dois atributos terem uma correlação positiva pode significar muita coisa (inclusivamente nada). Um dos atributos pode implicar o outro, mas também pode haver um terceiro, não abordado ou estudado, que implica os dois, em simultaneo mas de forma independente. Se observarmos que existe correlação entre o tamanho dos sapatos das crianças e a sua capacidade para escrever bem devemos concluir que pés grandes levam-nas a escrever melhor? Ou que ao escreverem melhor os seus pés crescem mais? Ou será que outro factor (a idade) é responsável por ambos?

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21 junho 2006

 

Statism By Any Other Name


No My Guide to your Galaxy, o Dos ∫antos escreveu alguns interessantes posts sobre o Anarco-Comunismo e o Anarco-Capitalismo, em debate com o Miguel Madeira. O tema é do meu interesse, face ao meu "coração-anarco-capitalista-que-a-idade-tornou-minarquista"... Se tiver tempo sou capaz de mandar uma achas para a fogueira, mas para já parece-me interessante comentar a "definição 2" referida pelo Miguel Madeira.

Definir Capitalismo como Corporate State é um exemplo de argumento falacioso por equívoco. No fundo, com a finalidade de criticar o capitalismo, muda-se a definição e apontam-se erros à definição alternativa, mas depois aplicam-se essas conclusões à definição original.

Mas mais do que isso, associar ao Capitalismo a ideia de que este é o sistema em que o estado "apoia as grandes empresas" não contribui para o esclarecimento de quem está a debater ideias; pelo contrário, torna os conceitos mais obscuros, especialmente quando se pretende contrastar o Capitalismo face a outros sistemas, em particular o Socialismo ou a Social-Democracia.

"Apoiar grandes empresas" não é uma função explícita do estado na maior parte dos sistemas democráticos. Se este apoio existe, podem haver duas explicações: corrupção ou como um meio para atingir um fim político.

A corrupção não tem cor política nem é, à partida, endémica a um modelo de estado específico. Excepto na medida em que ela só é possível se o estado tiver poderes que lhe permitam distorcer o funcionamento normal do mercado. Claramente, um estado mais liberal terá menos oportunidades para fomentar a corrupção em comparação com um estado mais interventivo (ou "estatista", passe a aliteração).

Politicamente, a questão torna-se mais interessante. Que razões pode apresentar um governo para apoiar "grandes empresas"? E porquê só as grandes, e não as outras? À partida, vejo três possíveis respostas para estas perguntas:

1) Como táctica proteccionista. Por exemplo, as intervenções para "preservar" os "centros de decisão" nacionais. Como a questão não se coloca seriamente para as empresas pequenas, estes apoios ou intervenções são feitos para as grandes.

2) Como meio para atingir fins sociais. Por exemplo, os subsídios atribuidos à Ikea para abrir uma fábrica em Portugal. O objectivo é criar postos de trabalho e contribuir para o crescimento do PIB. Mais uma vez, esta lógica seria impossível de aplicar para empresas pequenas, face aos custos burocráticos.

3) Como estratégia para exercer maior controlo sobre a economia. Um estado que pretende "dirigir" a economia, estabelecer as prioridades, etc, pode faze-lo mais facilmente se o grau de concentração nos mercados for grande. Isto é, é-lhe conveniente apoiar "grandes empresas", ou contribuir para que as que existem se tornem grandes, pois assim pode, via regulatória ou no limite via nacionalização, exercer mais influência na economia.

Olhando para estes três cenários, é impossível não chegar à conclusão que são políticas socialistas, ou no mínimo "socializantes", que têm interesse no apoio a "grandes empresas". Tentar colar este atributo ao Capitalismo é, além de errado em termos lógicos abstractos, um disparate em termos de discussão política. Quando se quer contrastar Capitalismo versus Socialismo, não é se pode atribuir características socialistas ao Capitalismo. Isso tira significado ao debate.

Um corolário desta observação é que face ao facto de alguns governos de direita também agirem por vezes seguindo um dos três cenários acima referidos, temos de concluir que eles são também "socializantes", que são Estatistas. Ou seja, a linha de divisão mais vincada acaba por não ser entre esquerda e direita, mas antes entre Liberalismo e Estatismo.

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20 junho 2006

 

A Servidão Está Ali ao Virar da Esquina


Via Diário Digital, chega a notícia que Londres pondera proibir anúncios a fast food na TV de dia (negritos meus):
"O controlo extremo sobre a publicidade aos alimentos pouco saudáveis poderá mesmo estender-se às páginas da Internet, aos SMS, aos jogos de computador, ao cinema e aos cartazes. Em cima da mesa está a possibilidade de interditar a publicidade televisiva ao fast food até às 21:00 horas. Mas o executivo teme que (...) as empresas de comida de plástico procurem outras alternativas, daí o leque de medidas drásticas."
O tom algo sensacionalista da notícia é um bocado exagerado, mas uma vez que a fonte do DD é o Guardian, não surpreende... Trata-se de um processo de consulta pública da Ofcom (regulador britânico para a comunicações) sobre publicidade a alimentos e bebidas na televisão. A consulta termina no fim do mês, mas a intelligentsia estatista - e normalmente esquerdista - britânica, que o Guardian tão bem personifica, já está a esfregar as mãos de contentamento e a apresentar os seus wet dreams como facto consumado.

Existem vários tipos de problemas em processos deste tipo, alguns dos quais não são nada encorajadores quanto ao eventual resultado final em termos legislativos e de direitos individuais:

1) O princípio de que se podem alcançar fins socialmente benéficos através da invasão da esfera privada dos indivíduos é perigoso em si mesmo. Quando aplicado aos seus hábitos alimentares, a coisa ganha contornos verdadeiramente fascistas.

2) O processo, ainda por cima, é construido ao contrário. Não se parte de um estudo da realidade para eventualmente se chegar à conclusão que é preciso intervir. Parte-se da hipótese de que a intervenção é necessária e depois vai-se à procura de justificações. Ainda por cima, usando a técnica do overshooting, parte-se de uma posição tão radical, que apesar de cedências ao longo do processo, o resultado final tenderá sempre a ser negativo para as liberdades individuais.

3) A consulta padece de um desequilíbrio à partida. Quem participa e se dá ao trabalho de responder não são os cidadãos afectados na sua esfera individual mas antes os grupos de pressão envolvidos na disputa: de um lado os anunciantes e os canais de televisão, cujo negócio é afectado pela decisão, e do outro um conjunto de activistas à procura da satisfação pessoal de impor a sua vontade aos outros. Aos olhos da moral colectivista do costume, os primeiros estão "manchados" pelo seu interesse económico na decisão; os últimos são generosos altruístas que apenas pretendem o "melhor" para todos.

As conclusões preliminares da consulta paracem indicar que o tal overshooting deverá ficar pelo caminho: "We think this penalty would be much too high, particularly when parents have told us in our research that they’re not in favour of a ban. For these reasons, we don’t support a ‘9pm watershed’ for this kind of advertising."

Apesar da lucidez do povo britânico, que no estudo encomendado pela Ofcom apenas 4% responderam que o governo é quem mais pode fazer para encorajar hábitos alimentares saudáveis, é certo que mais um passo no "caminho da servidão" está prestes a ser dado.

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15 junho 2006

 

Le Ciel Lui Tombe Sur la Tête


O chefe da aldeia dos irredutiveis, Carvalho da Silva, que resiste heroicamente à invasão do império da globalização, deu terça-feira à noite uma entrevista na SIC Notícias onde ficou bem patente a sua desorientação face à iminente catástrofe que se prepara para abater sobre a aldeia. E não há poção mágica que valha.

A entrevista vem no seguimento de uma série de aparições e discursos do Secretário-Geral da CGTP onde este tem apresentado o seu confundido e desorientado pensamento sobre os problemas que os seus “constituintes” enfrentam. O melhor exemplo acaba por ser o seu discurso do passado 1º de Maio. É verdade que a aparente incapacidade do webmaster do site da CGTP em digerir a cassete não ajuda (quase todos os parágrafos do discurso aparecem em duplicado ou mesmo triplicado, e a “lista” de falhas graves do governo aparece umas incríveis 11 vezes). Mas as ideias apresentadas no discurso são de tal maneira contraditórias e a falta de soluções minimamente fundamentadas tão gritante, que não é possível deixar de sentir, ao ler o discurso, uma certa empatia por um homem cujas convicções de décadas estão a ruir à sua volta e a quem o céu está, figurativamente, a cair-lhe em cima da cabeça.

Ao fim de tantos anos a engolir a dialética marxista compreende-se que os comunistas, e outros esquerdistas mais paleolíticos, não sejam capazes de identificar as contradições no discurso de Carvalho da Silva. Para quem precisa de usar a lógica para viver a vida, elas são gritantes: observa que existe concorrência de outros países com salário mais baixos ao mesmo tempo que defende a “melhoria dos salários” e o aumento do salário mínimo para 500 euros; defende a necessidade de fixar investimento estrangeiro ao mesmo tempo que quer impor limites à capacidade de deslocalização das empresas; insiste na manutenção de um sistema de segurança social falido ao mesmo tempo que reconhece as razões que levam à sua insustentabilidade; fala recorrentemente nas suas preocupações com os mais pobres e desfavorecidos ao mesmo tempo que insiste que o sistema de segurança social deve ser tudo para todos e reconhece que não há recursos suficientes.

Por outro lado, há as exigências de wishful thinking, desligadas da realidade. Ser-se contra ao aumento do custo de vida (como se alguém fosse a favor) ou exigir-se a criação de emprego (como se este pudesse ser decretado). Sem esquecer as vácuas afirmações mobilizadoras (ao melhor estilo Sócrates, que parece estar a fazer escola) do tipo “É preciso combater a descrença e o desânimo, com solidariedade, com unidade dos trabalhadores, com luta!

Por fim, no meio de tudo isto, surge um parágrafo razoavelmente lúcido:
“Quem transforma e constrói um país melhor, não são as declarações de intenções ou medidas propagandistas, mas sim a acção das pessoas, que têm que ser mobilizadas e responsabilizadas nesses objectivos.”
Se mudássemos a última frase para “que têm que ser libertadas para agir por si mesmas e responsabilizadas pelos seus actos” já tínhamos um princípio. Infelizmente parece-me que seria pedir muito.

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14 junho 2006

 

O Despeito é Uma Coisa Tão Triste


Vicente Jorge Silva ataca gratuitamente José Manuel Fernandes. No DN de hoje.

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13 junho 2006

 

O Elusivo Bom Senso


De há uns meses para cá que tenho ficado mais atento aos argumentos que se fazem valer do "bom senso" para tentar afirmar uma ou outra posição política (ou mesmo do foro privado). Os jornais publicam cartoons sobre Maomé, logo mostram falta de bom senso; o governo francês propõe uma lei que "precariza" o emprego para o jovens, antagonizando-os - falta de bom senso; este ou aquele ministro afirma coisas que deixam algum grupo de pressão irritado - idem; o Scolari admite que foi contactado pela Federação Inglesa - falta de senso; a parada de situações não acaba.

À primeira vista podia parecer que os defensores do "bom senso" tenderiam a ser imobilistas, na medida em que esta elusiva característica é normalmente invocada para criticar uma acção. Mas não. A verdade é que a procura do "bom senso" é alargada e constitui acima de tudo uma muleta intelectual: na falta de um raciocínio claro que justifique uma determinada acção, ou inacção, é mais fácil recorrer a esta figura intangível. Cria-se um consenso na forma, afinal todos acham que têm bom senso. Na realidade, cria-se um problema, pois o que cada um entende por bom senso cabe naquele conjunto de respostas a perguntas do tipo "qual o comprimento de um bocado de corda?"

Via A Arte da Fuga, cheguei a dois artigos no Diário Digital sobre a nova lei das multas para banhistas que desrespeitem a bandeira vermelha. Basicamente, alguns jornalistas da Lusa andaram a passear-se por praias à procura de bandeiras vermelhas para ver se andavam a multar eventuais prevaricadores. Face ao calor, os nadadores-salvadores estavam a fechar os olhos a quem entrásse na água e não corresse riscos, por exemplo molhando apenas os pés ou as pernas. Uma questão de bom senso, todos concordarão. Excepto talvez o porta-voz da Marinha, que lembrou que "juridicamente, o nadador-salvador não pode permitir que as pessoas estejam na água quando a bandeira vermelha estiver içada" e que "o nadador-salvador também está sujeito a coimas".

Este tipo de legislação, invasiva da esfera privada de cada pessoa e da sua responsabilidade individual, nunca conseguirá prever todas as situações possíveis. A sua aplicação sem causar uma revolta geral passa pelo tal "bom senso". Mas esta dependência torna a sua aplicação e fiscalização arbitrárias, dependentes do critério individual das pessoas responsáveis por essa aplicação. Quando se legisla nesta área, as leis serão necessariamente incompletas, e tenderão sempre a necessitar de mais artigos e regulamentos, numa espiral sem fim.

Durante o processo, nunca ninguém se interroga se não era melhor revogar a papelada toda e deixar "morrer" o monstro. Há sempre um bom samaritano cheio de boas intenções que acha que consegue aperfeiçoar a lei e proteger os cidadãos de si próprios. Nunca ninguém se lembra, como disse Voltaire, que o senso comum não é tão comum como isso.

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09 junho 2006

 

Amizades e Fidelidades Opacas


Os posts (1,2) de Ana Gomes no Causa Nossa sobre o veto presidencial relativo à "paridade" foram bem comentados em vários locais. Mas há um outro aspecto na "acusação" de Ana Gomes que ainda não foi comentado e que é significativo (negritos meus):
O argumento do mérito individual é falacioso: ninguém pede quotas para a entrada de mulheres nas ordens dos médicos, dos advogados ou nas carreiras das magistraturas e da diplomacia (onde o acesso a mulheres estava vedado apenas há trinta anos atrás) porque nesses contextos existem claros critérios de mérito, testados e testáveis, iguais para todos. E por isso mulheres não faltam nessas profissões. Quem lá chega, chega por mérito. A política, pelo contrário, é uma área onde redes de contactos informais, amizades, fidelidades a lideranças jogam um papel determinante. Esta informalidade determina opacidade nos processos de escolha de indivíduos, sobretudo na elaboração de listas eleitorais. Opacidade que neutraliza o princípio do mérito. E que deixa tradicionalmente de fora as mulheres - não é por acaso que se fala nas 'old boys networks' e nos 'jobs for the boys'.
Esta "acusação", tem conclusões lógicas que a própria Ana Gomes parece, ou então prefere, não retirar:

1) Se o critério é opaco, e o mérito não conta, então é a própria natureza do sistema eleitoral por listas que está em causa. Não é o veto sobre a paridade que veta a democracia. É o próprio sistema que não é democrático.

2) Não é claramente a obrigatoriedade de quotas que resolve o problema do mérito. De um sistema de amizades e fidelidades maioritariamente masculino, passaríamos para um sistema de amizades e fidelidades masculino e feminino.

3) O sistema não "deixa tradicionalmente de fora" apenas as mulheres. Deixa de fora todos os que não fazem parte dos fiéis amigos. Ao assumir a representatividade como valor absoluto, o mesmo argumento podia ser usado para quotas para qualquer subconjunto social (étnico, profissional, etc). Não tarda temos aí outra Câmara Corporativa.

A ideia de um parlamento como orgão de soberania é que ele seja representativo da população. Mas representativo ao nível das ideias e das políticas, não enquanto radiografia demográfica. Afinal, o que distingue as opções políticas são ideias, não "acidentes" biológicos. A observação de Ana Gomes é bastante pertinente, mas não no sentido que ela pretendia: o parlamento que temos não serve; nem é verdadeiramente democrático, pois apesar de formalmente eleito, não há uma responsabilidade clara dos deputados perante os seus eleitores.

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07 junho 2006

 

Do Ser ao Dever Ser


No post do JLP, ao qual respondi em parte aqui, existem outras considerações que surgem na sequência do "Objectivismo vs Liberalismo" do Helder n'O Insurgente.

Perante a afirmação de que "A diferença (simplificando e generalizando) está em que o objectivista não se exime de fazer um julgamento moral da acção consequente, sem que (como os liberais) imponha a adopção do caminho correcto", o JLP escreveu:

"É essa exactamente para mim uma das grandes mais-valias do Liberalismo, a de construir um sistema de regras e de princípios a priori que não faça juízos de valor em relação a como terão que ser vividos e que não se oriente para um determinado paradigma."
Não percebo como é possível definir regras e princípios sem que isso implique juízos de valor. Ao afirmarmos, no liberalismo, que cada um pode fazer, dizer e pensar o que quiser, desde que isso não viole a liberdade de outros indivíduos agirem de igual modo, estamos inevitavelmente a emitir juízos de valor: não ter liberadade para opinar é errado; violar a liberdade de outrém é errado; afirmar o que se pensa é certo; respeitar a propriedade alheia é certo.

Filosoficamente, se a Política é o processo pelo qual se julga a melhor direcção para a acção colectiva, e o colectivo é um conjunto de indivíduos, então esse processo deve necessariamente ter em conta os interesses desses indivíduos. O padrão para julgar esses interesses são os valores que para eles têm significado. A Ética é a disciplina da filosofia que ajuda a entender esses valores. Assim, por definição, não é possível fazer política sem emitir juízos de valor, isto é, sem ter um código ético, ou moral.

Onde há enormes diferenças entre as teorias políticas é no âmbito da acção colectiva e no código ético subjacente. Mas todas elas têm um código. Usando os meus exemplos contrastantes favoritos: o liberalismo defende um âmbito limitado na acção colectiva e um código de valores que preza a liberdade individual; o socialismo defende um âmbito alargado da acção colectiva e um código de valores que coloca o colectivo acima do indivíduo.

O JLP escreveu ainda:

"Além disso eu, que relativista me confesso, tenho a dificuldade em aceitar toda a construção Objectivista baseada num conceito apriorista e metafísico da Razão. A minha perspectiva é que a Razão não existe como ente autónomo, mas é sim um comportamento ou tendência que emerge (mas para que não se caminha absolutamente) na condução de estratégias e caminhos individuais de maximização da utilidade e do hedonismo pessoal (...) o Objectivismo assume-se quase como uma Religião da Razão, limitando praticamente o Liberalismo a uma crença doutrinal de que é o melhor catecismo para lá chegar."
Esta interpretação do objectivismo não está correcta. O objectivismo defende que a realidade é objectiva e que pode ser percebida pelo homem por intermédio dos seus sentidos e da sua capacidade racional - a razão. Esta não é, portanto, algo para onde se caminha, mas uma ferramenta para entender a realidade e para guiar a acção.

A característica mais marcante do objectivismo é a concepção de um código de valores objectivo, derivado da realidade, compatível com a natureza humana e que é racional. Se historicamente os valores eram, para as várias filosofias, intrínsecos ou subjectivos, o objectivismo defende que não são nem uma coisa nem outra. Isto é, não são externos ao homem, para ser descobertos, nem são internos ao homem, e por isso sempre relativos. O objectivismo defende que os valores têm de ter valor para alguém (value needs a valuer) e que não são arbitrários (devem ser explicados pela razão).

No fundo, para o objectivismo, não pode haver separação entre facto e valor, entre a verdade e o bem. "Ser bom" é uma espécie de "ser verdadeiro". "Ser mau" é uma espécie de "ser falso". E vice-versa. Ao perceber o "ser", tiramos necessariamente conclusões sobre o "dever ser".

PS: O Helder entretanto também respondeu. Como o post está classificado com um "I", e o JLP comentou que ia "conter o ímpeto", presumo que o debate não vai ficar por aqui :-)

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06 junho 2006

 

Natureza Humana III


O JLP escreveu um post no Small Brother onde explica algumas discordâncias que tem relativamente ao que escrevi anteriormente sobre a natureza humana. Essencialmente, as suas divergências comigo prendem-se com dois pontos:

1) Ao contrário de mim, que defendo um liberalismo consistente com o objectivismo nos seus princípios filosóficos, e consequentemente tenho uma visão benévola (optimista) da natureza humana, o JLP tem uma visão mais próxima da hobbesiana, em que os homens têm tendências naturais predatórias.

2) De igual modo, enquanto eu considero que o socialismo tem uma visão negativa da natureza humana, o JLP, por contraponto à sua visão hobbesiana, entende que o socialismo tem uma visão optimista da natureza humana.

No que toca à primeira discordância, não há muito a dizer. A perpectiva de cada um da natureza humana é essencialmente subjectiva, podendo ser explicada por vários factores; desde a sua educação à sua vivência, passando pelos princípios metafísicos, conscientes ou subconscientes, que estão subjacentes à sua filosofia. Contudo, a evidência empírica não parece suportar a ideia que "quando falamos de seres humanos, bem como de todos os outros animais, falamos só de falcões", antes pelo contrário. O único problema que vejo nesta posição é a forma natural como abre a porta à segunda discordância, relativamente à qual o JLP escreveu:

"O Socialismo genericamente é optimista porque acredita que esse cenário é atingível, um cenário de homens iguais vivendo em harmonia e satisfeitos com o que têm. A mera assumpção de que isso é possível torna-a provavelmente na ideologia mais optimista em relação ao ser humano é à sua natureza."
Em primeiro lugar, julgo que há aqui uma contradição - possivelmente apenas semântica - ao atribuir optimismo, no contexto da natureza humana, à ideia de que é possível mudá-la. Negar a realidade e achar que se pode virá-la ao contrário não é optimismo é evasão.

Mais importante parece-me a questão filosófica subjacente. Ao deixar os socialistas reclamar como optimista e positiva a sua visão, comete-se o erro, na minha opinião, de deixá-los ocupar uma espécie de plano mais alto no confronto das ideias. Vejo aqui dois problemas:

i) Existe uma aceitação tácita de que haveria algo de "bom" no cenário descrito. Não é. Os homens não são iguais, nem nunca serão, pela sua própria natureza;

ii) A aceitação desta "bondade" cria um conflito insustentável entre o "ser" e o "dever ser";

Nathaniel Branden definiu dois arquétipos, também usados por Ayn Rand, para aqueles que pretendem dominar os outros: Attila e o Witch-Doctor. O primeiro alcança o seu poder pela força; o segundo através de um código moral que potencie a servidão. O mecanismo pelo qual o Witch-Doctor consegue impor-se é o conflito interior de alguém que aceita um código de valores incompatível com a natureza humana. A destruição da auto-estima que inevitavelmente resulta deixa-o à mercê de quem quiser dominá-lo.

O socialismo, em especial o totalitário, junta os dois arquétipos de forma exemplar. Dá aos homens um objectivo moral inatingível, consequentemente destrói a sua auto-estima, e a seguir torna-os dóceis e acéfalos servos do estado. No background está sempre um Attila, pronto para impor a força se necessário.

"There is no way to turn morality into a weapon of enslavement except by divorcing it from man’s reason and from the goals of his own existence. There is no way to degrade man’s life on earth except by the lethal opposition of the moral and the practical. Morality is a code of values to guide man’s choices and actions; when it is set to oppose his own life and mind, it makes him turn against himself and blindly act as the tool of his own destruction. There is no way to make a human being accept the role of a sacrificial animal except by destroying his self-esteem. There is no way to destroy his self-esteem except by making him reject his own consciousness. There is no way to make him reject his own consciousness except by convincing him of its impotence."

Ayn Rand

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04 junho 2006

 

Pela Boca Morre o Peixe


Vai para aí uma acesa troca de galhardetes por causa de um post do Rui Oliveira n'O Insurgente. Achei piada a um aparente lapsus linguae do Filipe Moura:
"Embora discorde totalmente desses textos, reconheço que alguns têm uma argumentação boa, mesmo se desonesta ou parcial. O caso mais paradigmático são os textos do João Miranda no Blasfémias. Por não esperar que toda a gente se lembre de tudo o que eu escrevi, recordo (no segundo parágrafo deste texto) a minha (muito boa, mesmo discordando de todo) opinião sobre os textos do João Miranda em geral (que belo marxista que ele daria)."
No referido texto ele escreveu:
"Apesar de tudo, eu gosto sinceramente de ler o João Miranda. É um demagogo que não trata as pessoas como atrasadas mentais. É o demagogo ideal."
Ficamos assim a saber os requisitos para ser um "belo marxista". A saber: argumentação boa, mesmo se desonesta ou parcial; e demagógica.

Inesperado que fosse uma marxista a resolver o eterno diferendo entre Leonard Peikoff e David Kelley. Parece que afinal não é o erro cognitivo que faz o marxista. É mesmo a desonestidade intelectual.

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02 junho 2006

 

Utopia e Bom-senso


A propósito do post (irónico) do Rui de Albuquerque intitulado "Utopia Liberal vs. Bom-senso Estatista":

Existem dois tipos de adversários do Liberalismo. Os cépticos, que acham o liberalismo utópico e impraticável, e os discordantes, que o acham a materialização do anti-cristo, uma doutrina insidiosa dos porcos capitalistas para explorar os fracos e oprimidos, ou coisa que o valha.

Na batalha das ideias, o primeiro passo para a vitória é dado quando os adversários consideram as nossas ideias "utópicas". No fundo, acham que nós até temos alguma razão, ou que as nossas ideias são "bonitas no papel" mas impraticáveis. É uma questão de tempo até os cépticos começarem a aceitar várias delas na acção e não apenas na teoria.

O comunismo dominou o meio intelectual do século XX essencialmente porque muitos dos seus opositores o achavam "utópico" e "idealista". Aceitavam implícita ou mesmo explicitamente algumas das suas premissas e depois admiravam-se deste ter tão grande presença no meio que os rodeava.

Quanto ao discordantes, também é uma questão de tempo, mas numa escala diferente. A realidade tem a mania irritante de apanhar desprevenido quem vive fora dela.

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01 junho 2006

 

O Percurso Sinuoso da Mentira


É irónico como uma frase deliberadamente inexacta deu origem a uma mentira que acabou por se converter numa alegada verdade...

Em 1999, numa entrevista a Wolf Blitzer, na CNN, Al Gore afirmou:
During my service in the United States Congress, I took the initiative in creating the Internet. I took the initiative in moving forward a whole range of initiatives that have proven to be important to our country's economic growth and environmental protection, improvements in our educational system.

A frase dá azo a confusões. É verdade que Gore participou em (ou mesmo liderou) várias iniciativas legislativas que permitiram a atribuição de fundos federais para generalizar a Internet. No entanto, esta já existia, com as suas tecnologias básicas e numa forma que seria reconhecível ao olhos de hoje, desde a década de 80. Não é verdade que alguma das iniciativas de Gore tenha "criado", ou sequer ajudado a "criar", a Internet.

Alguns adversários de Al Gore criariam uma mentira, muito difundida na Internet (irónico, não?), que dizia que Gore havia afirmado ser o inventor da Internet (a citação falsamente atribuida seria a de "I Invented the Internet").

Pois agora, para o episódio fazer full circle, o nosso DN afirma:
Depois da sua derrota em 2000, aquele que é também conhecido como o "inventor da Internet" assumiu um cargo na direcção da empresa de informática Apple e tornou-se conselheiro do Google (motor de pesquisa). Gore manteve assim o contacto com uma área cujo desenvolvimento defendeu enquanto senador e, mais tarde, como vice-presidente.

Super-irónico, não?

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