13 junho 2006
O Elusivo Bom Senso
De há uns meses para cá que tenho ficado mais atento aos argumentos que se fazem valer do "bom senso" para tentar afirmar uma ou outra posição política (ou mesmo do foro privado). Os jornais publicam cartoons sobre Maomé, logo mostram falta de bom senso; o governo francês propõe uma lei que "precariza" o emprego para o jovens, antagonizando-os - falta de bom senso; este ou aquele ministro afirma coisas que deixam algum grupo de pressão irritado - idem; o Scolari admite que foi contactado pela Federação Inglesa - falta de senso; a parada de situações não acaba.
À primeira vista podia parecer que os defensores do "bom senso" tenderiam a ser imobilistas, na medida em que esta elusiva característica é normalmente invocada para criticar uma acção. Mas não. A verdade é que a procura do "bom senso" é alargada e constitui acima de tudo uma muleta intelectual: na falta de um raciocínio claro que justifique uma determinada acção, ou inacção, é mais fácil recorrer a esta figura intangível. Cria-se um consenso na forma, afinal todos acham que têm bom senso. Na realidade, cria-se um problema, pois o que cada um entende por bom senso cabe naquele conjunto de respostas a perguntas do tipo "qual o comprimento de um bocado de corda?"
Via A Arte da Fuga, cheguei a dois artigos no Diário Digital sobre a nova lei das multas para banhistas que desrespeitem a bandeira vermelha. Basicamente, alguns jornalistas da Lusa andaram a passear-se por praias à procura de bandeiras vermelhas para ver se andavam a multar eventuais prevaricadores. Face ao calor, os nadadores-salvadores estavam a fechar os olhos a quem entrásse na água e não corresse riscos, por exemplo molhando apenas os pés ou as pernas. Uma questão de bom senso, todos concordarão. Excepto talvez o porta-voz da Marinha, que lembrou que "juridicamente, o nadador-salvador não pode permitir que as pessoas estejam na água quando a bandeira vermelha estiver içada" e que "o nadador-salvador também está sujeito a coimas".
Este tipo de legislação, invasiva da esfera privada de cada pessoa e da sua responsabilidade individual, nunca conseguirá prever todas as situações possíveis. A sua aplicação sem causar uma revolta geral passa pelo tal "bom senso". Mas esta dependência torna a sua aplicação e fiscalização arbitrárias, dependentes do critério individual das pessoas responsáveis por essa aplicação. Quando se legisla nesta área, as leis serão necessariamente incompletas, e tenderão sempre a necessitar de mais artigos e regulamentos, numa espiral sem fim.
Durante o processo, nunca ninguém se interroga se não era melhor revogar a papelada toda e deixar "morrer" o monstro. Há sempre um bom samaritano cheio de boas intenções que acha que consegue aperfeiçoar a lei e proteger os cidadãos de si próprios. Nunca ninguém se lembra, como disse Voltaire, que o senso comum não é tão comum como isso.
Etiquetas: ignorance is strength