Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

09 junho 2006

 

Amizades e Fidelidades Opacas


Os posts (1,2) de Ana Gomes no Causa Nossa sobre o veto presidencial relativo à "paridade" foram bem comentados em vários locais. Mas há um outro aspecto na "acusação" de Ana Gomes que ainda não foi comentado e que é significativo (negritos meus):
O argumento do mérito individual é falacioso: ninguém pede quotas para a entrada de mulheres nas ordens dos médicos, dos advogados ou nas carreiras das magistraturas e da diplomacia (onde o acesso a mulheres estava vedado apenas há trinta anos atrás) porque nesses contextos existem claros critérios de mérito, testados e testáveis, iguais para todos. E por isso mulheres não faltam nessas profissões. Quem lá chega, chega por mérito. A política, pelo contrário, é uma área onde redes de contactos informais, amizades, fidelidades a lideranças jogam um papel determinante. Esta informalidade determina opacidade nos processos de escolha de indivíduos, sobretudo na elaboração de listas eleitorais. Opacidade que neutraliza o princípio do mérito. E que deixa tradicionalmente de fora as mulheres - não é por acaso que se fala nas 'old boys networks' e nos 'jobs for the boys'.
Esta "acusação", tem conclusões lógicas que a própria Ana Gomes parece, ou então prefere, não retirar:

1) Se o critério é opaco, e o mérito não conta, então é a própria natureza do sistema eleitoral por listas que está em causa. Não é o veto sobre a paridade que veta a democracia. É o próprio sistema que não é democrático.

2) Não é claramente a obrigatoriedade de quotas que resolve o problema do mérito. De um sistema de amizades e fidelidades maioritariamente masculino, passaríamos para um sistema de amizades e fidelidades masculino e feminino.

3) O sistema não "deixa tradicionalmente de fora" apenas as mulheres. Deixa de fora todos os que não fazem parte dos fiéis amigos. Ao assumir a representatividade como valor absoluto, o mesmo argumento podia ser usado para quotas para qualquer subconjunto social (étnico, profissional, etc). Não tarda temos aí outra Câmara Corporativa.

A ideia de um parlamento como orgão de soberania é que ele seja representativo da população. Mas representativo ao nível das ideias e das políticas, não enquanto radiografia demográfica. Afinal, o que distingue as opções políticas são ideias, não "acidentes" biológicos. A observação de Ana Gomes é bastante pertinente, mas não no sentido que ela pretendia: o parlamento que temos não serve; nem é verdadeiramente democrático, pois apesar de formalmente eleito, não há uma responsabilidade clara dos deputados perante os seus eleitores.

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Bocas:
Excelente post!
 

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