Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

23 junho 2006

 

Crianças com Pés Grandes Escrevem Melhor


Um post dois-em-um: o espírito copycat nas redações dos media e a incapacidade de algumas pessoas em distinguir correlação de causalidade.

Os tempos vão difíceis para os jornais. Vendas a cair, menos publicidade, logo, menos dinheiro para contratar jornalistas. Sai mais barato copiarem as notícias uns dos outros. O Diário de Notícias publicou no passado sábado uma notícia relativa a um estudo (PDF aqui) da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) sobre fraude académica e corrupção. No dia seguinte, Correio da Manhã, Diário Digital e Público seguiram os passos do DN (claramente as redações ao fim-de-semana funcionam a meio gás). Todos chegam mesmo a referir que a notícia é do DN. Isto de um jornal noticiar que outro jornal deu uma notícia é um espectáculo... Se bem que do ponto de vista de dar crédito ao autor original até faz mais sentido. A notícia também passou na SIC, com direito a entrevistas a estudantes e tudo, mas aí parece-me que já foi no seguimento de alguma espécie de press release ou acção de comunicação da FEP, pois também entrevistaram as autoras do estudo, Aurora Teixeira e Fátima Rocha. Um dia destes as notícias são como chain letters: "Publique esta notícia, mande-a para mais 3 jornais e terá mais sorte na vida. O Sr X recebeu esta notícia, deitou-a fora e no dia seguinte foi atropelado. A Sra Y meteu-a no arquivo e foi despedida."

De qualquer modo, o interessante é o tratamento do estudo em causa. O título do DN é "Alunos copiam mais nos países mais corruptos". Do CM é "Corrupção associada às cábulas na universidade", do DD "Países com mais cábulas são também os mais corruptos" e do Público "Estudo mostra que maioria dos universitários portugueses admite copiar". O título do DN acaba por ser o mais razoável. Os outros parecem insinuar que é o copianço académico que leva à corrupção. Ou no caso do Público, mostrando algum "nacional-umbiguismo", enfocando apenas num dos aspectos do estudo, que abarcou 21 países e não apenas Portugal.

O conteúdo dos artigos é praticamente igual e ignora a maior parte das conclusões do estudo, que tenta identificar o entorno social e académico que propicia altos níveis de fraude académica. No estudo, é manifestada a preocupação de que se os estudantes não perceberem o mal em "copiar" poderão também ter uma ética perversa mais tarde na sua actividade profissional. Mas essa é uma motivação para a realização do estudo e não o seu objecto. Isto é, em lado nenhum é sugerido que o copianço leva à corrupção. Quanto muito, e face a impossibilidade de descrever em detalhe o estudo, os jornais poderiam ter dito que altos níveis de corrupção numa sociedade pareciam ser um dos factores que contribuem para altos níveis de fraude académica.

Este erro, bastante comum, prende-se com a incompreensão das relações possíveis entre correlações e causalidades. O facto de dois atributos terem uma correlação positiva pode significar muita coisa (inclusivamente nada). Um dos atributos pode implicar o outro, mas também pode haver um terceiro, não abordado ou estudado, que implica os dois, em simultaneo mas de forma independente. Se observarmos que existe correlação entre o tamanho dos sapatos das crianças e a sua capacidade para escrever bem devemos concluir que pés grandes levam-nas a escrever melhor? Ou que ao escreverem melhor os seus pés crescem mais? Ou será que outro factor (a idade) é responsável por ambos?

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