Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

21 janeiro 2009

 

Análise de grande nível


Em artigo de opinião no sítio da SIC, Luis Costa Ribas afirma que o presidente cessante dos EUA, George W. Bush, foi o "pior de sempre", avançando depois com uma (tentativa de) fundamentação. Não é que eu seja um admirador de GWB (de todo, como já tive oportunidade de escrever, há cerca de um ano, aqui e aqui), mas a argumentação de Costa Ribas é de uma pobreza embaraçosa.

Em todo o artigo, há uma queixa crítica objectiva: A questão da invasão do Iraque. E mesmo aqui, o argumento é acessório e toldado pelo óbvio dislike pessoal de Costa Ribas por GWB. Ora, embirrações todos podem ter; não servem muito é para constituir "análise política".

As gaffes, personalidade e religiosidade de uma pessoa não são bases para julgá-la politicamente. Especialmente para julgar o seu mandato presidencial como "o pior de sempre". (Uma questão não menos importante é a verdade histórica: Houve presidentes americanos que eram autênticos gangsters.)

Há muitas críticas que podem ser feitas a GWB que justificam que seja acusado de ter sido um péssimo presidente que cometeu muitos erros, alguns muito graves. Costa Ribas não refere nem uma. Isto só mostra que a lição não foi aprendida. Para muitos "analistas políticos", existe alguma dificuldade em perceber o que é política.

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14 janeiro 2009

 

Sete pecados mortais na análise do myZonCard


Desde a decisão da Autoridade da Concorrência de suspender a campanha myZonCard, da Zon Multimedia, muito tem sido escrito sobre o assunto. Deixando de lado aspectos como a justiça de legislação “anti-trust” em mercados sem barreiras políticas à entrada, uma observação breve do que foi escrito em defesa da decisão provisória, bem como do teor da queixa apresentada, mostra que estas assentam em argumentos que tipicamente padecem de (pelo menos) sete erros analíticos.

Erro #1: A promoção da Zon “inunda” o mercado com “milhões e milhões” de bilhetes à borla.

A promoção é pessoal e intransmissível, sendo destinada apenas aos titulares dos contratos. Face à demografia da clientela da TV Cabo, a quem se destina a promoção, o impacto previsto pelas pessoas que incorrem neste erro é substancialmente sobrestimado. 70% dos espectadores de cinema tem menos de 35 anos de idade. 54% são estudantes (e são estes os que vão mais regularmente ao cinema). É portanto razoável assumir que a maior parte destes não é titular de um contrato de TV Cabo. Dos restantes, muitos serão casais, possivelmente com filhos, gerando portanto mais bilhetes para além do grátis, elevando o preço efectivo. Por fim, como apenas cerca de 20% dos portugueses vai ao cinema regularmente, representando a maior parte dos bilhetes, conjugando com os dados anteriores, é notório que a maioria dos clientes da TV Cabo não vai ao cinema. Das duas uma: Ou não usarão o cartão, ou então usam e geram receitas adicionais para a Lusomundo (pelo menos alguns irão acompanhados, e outros tantos comprarão pipocas e/ou bebidas nos bares). Logo, o impacto provável até será (ou seria) positivo para o mercado como um todo.

Erro #2: A promoção da Zon é “dumping”.

“Dumping” implica o fornecimento de produtos abaixo do preço de custo. As salas de cinema têm um custo marginal reduzido, tendendo para zero (ou totalmente variabilizado como percentagem das receitas). A promoção só está disponível para certos clientes, com uma antiguidade mínima como cliente e apenas enquanto permanecerem como tal. Existem ainda outros factores para determinar o preço efectivo por espectador: Preço pago por acompanhantes não titulares de cartão, pois a maior parte das pessoas não vai ao cinema sozinha, bem como receitas adicionais (pipocas, bebidas, etc). Adicionalmente, os preços pagos pelos serviços da TV Cabo têm um custo significativo, regular, independentemente do uso do cartão. É provável que exista alguma compensação desta à Lusomundo Cinemas pelo acesso aos filmes. Logo, a promoção é na verdade “bundling”.

Erro #3: A Lusomundo é monopolista.

A Lusomundo Cinemas é o maior operador nacional, com cerca de metade dos espectadores/receitas. Em termos de salas, a Lusomundo Cinemas tem uma quota inferior, pois o mercado de exibição, para além das cadeias de cinemas, conta também com salas municipais e pequenos cinemas independentes (cada vez menos, é verdade, por falta de viabilidade económica, não por práticas predatórias dos líderes de mercado; muitas se calhar são subsidiadas). Este peso no mercado não constitui de modo algum um monopólio.

O cinema não é um recurso escasso e as barreiras à entrada no mercado são baixas, dependendo essencialmente de investimento de capital localizado (local e equipamento), acessível a qualquer investidor com vontade. O peso da Lusomundo neste mercado parece ser mais resultado de subinvestimento geral no mercado do que aspectos anti-competitivos. A abertura (ou aquisição) por parte da Lusomundo de novas salas nos últimos anos é o factor preponderante no aumento da sua quota de mercado (de 28 para 30 locais e de 158 para 206 salas, entre 2004 e 2008). No mesmo periodo, a UCI e NLC também cresceram (com aquisições, aberturas e aumento da rentabilidade). Os restantes players mantiveram ou definharam.

Erro #4: O negócio das salas de cinema é a venda de bilhetes para ver filmes.

Este erro é a razão pela qual Paulo Branco não é capaz de concorrer com a Lusomundo agora; quanto mais com a promoção… Há muito que a Lusomundo e as outras cadeias bem geridas perceberam que estão no negócio do entretenimento e da “experiência do cinema”. “Experiência” que é tipicamente social (em família ou com amigos), logo tendo a promoção um impacto muito menor nas receitas totais. Quem quer ver filmes pode vê-los em casa. Num sentido estreito, e óbviamente exagerado, os cinemas hoje em dia estão no negócio da venda de pipocas/bebidas, pois é delas que advém a maior parte dos lucros. É também expectável que muitos clientes que beneficiam da promoção aumentem a receita média por espectador por via das vendas nos bares.

Os cinemas são um negócio em que a localização é muito importante, daí a cada vez maior presença das maiores salas (multi-ecrã) em centros comerciais e de lazer. Mas a mera presença num desses locais pode não ser suficiente para o sucesso. Compare-se o (pelo menos aparente) sucesso de empresas como a Lusomundo, UCI e NLC com as falências dos cinemas Millennium (que, curiosamente, ou talvez não, também contavam com a gestão excelente de Paulo Branco).

Erro #5: A promoção da Zon só é possível por abuso de posição dominante.

O abuso de posição dominante pode materializar-se, neste caso, em subsidiação cruzada via “bundling”. As perdas incorridas no produto subsidiado têm de ser compensadas com rendas económicas no produto subsidiante. O exemplo da moda é a Microsoft com o Windows e o Internet Explorer: Oferece-se este último grátis, à custa de maiores receitas no primeiro possibilitadas pela sua quota de mercado “monopolista”. Ironicamente também se usa o exemplo do Windows e do Office, afirmando que a Microsoft tem receitas elevadas no Office, cujas vendas são potenciadas pelo “monopólio” do Windows, sendo este vendido mais barato do que poderia ser o caso, mas com receitas compensadas pelo outro. Esta aparente contradição entre o Windows ser mais barato ou mais caro do que devia, consoante o exemplo, existe porque a verdade é que a acusação de abuso de posição dominante por parte da Microsoft está algo mal contada (mas isso são outros quinhentos e não conta para este assunto).

No caso da Zon, o primeiro argumento seria que a TV Cabo está a abusar da sua posição no cabo para restringir a concorrência no mercado da Lusomundo. O erro deste argumento está no facto de não existirem rendas económicas a explorar no cabo. Alternativamente, poderia-se argumentar que a Zon estaria a abusar da sua posição na exibição para condicionar o mercado do cabo. Também aqui seria preciso demonstrar que o benefício marginal no cabo pela fidelização seria usado para compensar a alegada quebra de rentabilidade na exibição; e que de alguma forma esse benefício tinha suficiente peso para, à luz da legislação, distorcer o mercado do cabo. Inverosímil, especialmente porque a queixa foi apresentada pelos concorrentes da Lusomundo Cinemas e não da TV Cabo.

Erro #6: A promoção da Zon acabaria por restringir o mercado de cinema.

A Zon não tem interesse no desaparecimento da sua concorrência no mercado da exibição, na medida em que o seu negócio de distribuição, lucrativo e importante, depende dela também. Hipoteticamente, até lhe poderia interessar esse desaparecimento desde que tivesse uma rentabilidade maior na exibição que permitisse manter o nível de vendas na distribuição. Ora, isso seria muito difícil, ou mesmo impossível, se aceitarmos a ideia de que a promoção constitui abuso de posição dominante. Se existe subsidiação cruzada dos bilhetes de cinema por parte da operação de cabo, então a Lusomundo Cinemas não terá receitas para pagar à Lusomundo Audiovisuais. Logo, as receitas de distribuição ficam dependentes das outras salas. As tais que supostamente ela quer que desapareçam. Seria uma proposta que apenas resultaria na destruição de valor para os accionistas da Zon. Logo, inverosímil.

Acresce ao ponto anterior que o mercado não é homogéneo. Os clientes que vão ver os filmes “de qualidade” na Medeia não são os mesmos que vão ver blockbusters na Lusomundo. A ideia de que a Medeia não sobreviveria é curiosa. Se actualmente os filmes “de qualidade” não são rentáveis nas condições de exploração actuais, sendo subsidiados pelos blockbusters que a Medeia também exibe, isso não é argumento válido para defender que haveria uma restrição da oferta. Não há razão objectiva para que os preços de cinema tenham de ser iguais. A Medeia poderia (deveria) aumentar os preços para os filmes com menores audiências, para manter a viabilidade económica do negócio. Se o mercado não comporta esse aumento, então o mercado não comporta este tipo de filmes. Ponto. Não é legítimo colocar coercivamente uma “taxa escondida” sobre os restantes consumidores de cinema para preservar esse mercado inviável.

Erro #7: A Zon é a única empresa que pode fazer este tipo de promoção.

A Zon é uma holding; e cotada na bolsa. A Lusomundo e a TV Cabo são empresas diferentes, com estruturas de custos e salários para pagar. A ideia de que se pode queimar dinheiro numa delas para beneficiar a outra é portanto complicada. Além disso, nem sequer existe uma grande sinergia entre o negócio do cabo e o negócio da exibição. Pelo contrário, o cabo tem um efeito negativo na exibição.

O raciocínio por trás deste erro é parecido com o que é usado quando uma empresa compra outra a jusante na cadeia de valor, como se fosse um cliente cativo, ou uma a montante, para poder ser fornecida em melhores condições. Em mercados minimamente competitivos estes raciocínios raramente fazem sentido, pois a relação accionista acaba por reduzir pressão competitiva. Em suma: Se a promoção faz sentido, então faz sentido para quaisquer duas empresas, independentemente da relação accionista. Se não faz, então a concorrência não deveria preocupar-se, pois assim sendo ela não durará muito tempo.

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09 janeiro 2009

 

Democracia e Federalismo


No passado mês de Dezembro, o presidente Vaclav Klaus, da República Checa, recebeu uma visita de destacados membros do Parlamento Europeu, nomeadamente o seu presidente, Hans Gert Poettering, e o co-presidente do grupo dos Verdes Europeus, Daniel Cohn-Bendit. Sendo conhecida a posição oficial do presidente checo de que de modo algum a bandeira europeia poderia ser hasteada no palácio de Praga, a residência presidencial e símbolo do estado checo, os eurodeputados, ainda assim, ofereceram-lhe uma bandeira e exigiram o seu hastear. O inefável Cohn-Bendit, num gesto extraordinário de desrespeito por um chefe de estado, terá afirmado ao presidente Klaus que não estava interessado nas suas opiniões. Terá ainda acrescentado que o Parlamento Europeu já tinha validado a verdade das teorias do aquecimento global e que a República Checa não poderia colocar em causa a aprovação pela UE de medidas de combate às alterações climáticas.

No seguimento deste episódio, o presidente francês e na altura presidente em exercício da União Europeia, Nicolas Sarkozy, deu cobertura às acções dos eurodeputados, chegando a afirmar que a atitude checa constituia um desrespeito por símbolos europeus. Nas semanas que se seguiram, Sarkozy emitiu diversos ataques preventivos contra a presidência checa, dizendo que os checos não têm o peso e a capacidade para liderar a UE, ameaçando convocar cimeiras separadas dos países da zona Euro durante a presidência checa, por esta não fazer parte dela, e ainda afirmando que não acreditava que as autoridades em Praga tivessem a capacidade de fazer face aos desafios de política externa que se colocam à UE.

Se estas declarações de Sarkozy são uma antevisão do que espera a União na eventualidade do Tratado de Lisboa ser aprovado, então o futuro não será, definitivamente, risonho. A prepotência nas afirmações do presidente Sarkozy é um sinal claro do risco que correm os pequenos estados membros com o alargamento das decisões permitidas por maioria no Conselho Europeu. A União Europeia não é, nem pode ser, uma democracia (no sentido literal). É uma união de democracias, cada uma independente e soberana, que acordam entre si um conjunto de regras comuns nas suas relações, e nas relações entre os seus cidadãos, que a todos beneficiam. Entre estas regras poderão existir algumas que partilham determinadas responsabilidades de soberania, como por exemplo o controlo das fronteiras; mas sempre de mútuo acordo; nunca por imposição.

Mesmo que a união siga um caminho federalista, este deve sempre salvaguardar os direitos dos estados membros. As federações ou repúblicas federais têm tradicionalmente mecanismos políticos cujo objectivo é proteger os estados, ou entidades confederadas, por via de bloqueios. Isto é, deve ser mais fácil bloquear determinadas decisões do que permitir que elas sejam tomadas à força contra alguns membros. É verdade que o Tratado de Lisboa inclui provisões que protegem a independência dos diversos estados em certas áreas de governação. A fiscalidade, por exemplo. De igual modo, existem mecanismos na definição das maiorias qualificadas no Conselho Europeu que dificultam que os estados grandes possam impôr a sua vontade aos estados pequenos. Ou ainda a provisão que certas decisões tenham de ser ratificadas pelo Parlamento Europeu. Contudo, o facto da Alemanha, França e Itália juntos, por exemplo, não poderem bloquear decisões dos restantes 24, serve de fraco conforto. A verdade é que uma regra de aprovação de 15 votos em 27, desde que esses 15 contem 65% da população, numa situação em que os 5 países maiores têm 62% desta, não é suficientemente protectora dos restantes; especialmente quando os temas sujeitos a este tipo de maioria são assuntos tão importantes como as políticas energéticas, de imigração ou agricultura. O comportamento dos líderes de alguns dos 5 grandes, como o acima referido, ou como as cimeiras a 3, 4 ou 5 que ocasionalmente têm lugar, demonstra soberba e desconsideração pelos restantes estados; e esta constatação apenas aumenta o desconforto de pessoas como eu, de um modo geral favoráveis à união, relativamente à forma como esta está a evoluir.

Leitura complementar: Nicolas Sarkozy attacks Czech refusal to fly EU flag; EU's new figurehead believes climate change is a myth.

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06 janeiro 2009

 

Ter filhos ingratos é tramado


Como se não bastasse terem denunciado às autoridades o esquema ponzi do próprio pai, agora «[o]s filhos de Bernard Madoff disseram aos advogados de acusação que o pai lhes enviou jóias, relógios e outros bens violando a ordem de congelamento de activos do tribunal.»

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01 janeiro 2009

 

Racionamento no SNS


Na Venezuela, no Zimbábue e noutros paraísos socialistas onde os governos fixam os preços, os resultados costumam ser prateleiras vazias, filas intermináveis e “cunhas” para ter acesso privilegiado aos produtos. No SNS, além de também existirem filas (e consta que “cunhas”), adiam-se cirurgias.

Como escreveu o Hélder há uns tempos, «O Séc XX foi pródigo a demonstrar que qualquer serviço ou produto fornecido pelo Estado acaba racionado. Não há racionamento de produtos ou serviços fornecidos pela sociedade. Não há racionamento das batatas, da água engarrafada, das telecomunicações, dos automóveis ou dos pastéis de nata. O racionamento a que se assiste no Séc XXI é a herança inevitável que a social-democracia recebeu do socialismo.»

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