25 janeiro 2008
A Bushologia
(também postado n'O Insurgente)
Uma pitada de desconfiança relativa aos Estados Unidos, enquanto símbolo do capitalismo, e uma dose q.b. de raiva a George W. Bush são os ingredientes certos para criar um prisma esquerdista através do qual se pode observar a América. De forma enviezada, claro. Julgar os Estados Unidos, em especial esta administração, torna-se assim uma ciência especial, com a sua própria base axiomática e epistemológica solidamente assente em coisa nenhuma e outras tretas. Uma “Bushologia”.
Não quer isto dizer que a administração Bush foi boa, ou sequer passável. Não foi. Foi uma bosta. Mas este meu juízo não se prende com o tipo de questões habitualmente apresentadas pelos bushólogos. Prende-se com o facto de que George Bush falhou redondamente nos três pontos principais em que fundamentou as suas campanhas em 2000 e/ou 2004:
- Uma redução do envolvimento externo. A célebre “humble foreign policy” de que Ron Paul está sempre a falar.
- A reforma do sistema de segurança social, com a adopção de contas individuais e o fim do esquema piramidal actual.
- A reforma do sistema fiscal, com a simplificação dos impostos federais sobre o rendimento e a sua progressiva substituição por impostos indirectos.
Mas para os bushólogos isso não interessa. O que interessa é aplicar o tal prisma que vê tudo em função de vagas intenções e da glorificação do “estado infalível”, por um lado, e que só vê na América um suposto combate entre usurários especuladores e pobres desprovidos de cuidados de saúde, por outro. Os factos não interessam para nada. Bush aumentou brutalmente os gastos em educação, saúde e serviços sociais. Eu critico-o por isso, mas os bushólogos criticam-no por supostamente não o fazer. Neste post no Kontratempos, Tiago Barbosa Ribeiro não percebe como se pode pensar em reduzir o estado federal. Sai-se com o velho lugar-comum dos milhões de americanos que “não têm qualquer cobertura de saúde”. Sobre isso já escrevi aqui. Mas vai mais longe e dá o exemplo de um veto de Bush em que supostamente ele “recusou um programa que alargaria os cuidados médicos a crianças pobres”. O problema aqui é que o programa não era destinado aos pobres, constituindo antes uma expansão de cobertura a uma parte significativa das crianças na classe média. E é fácil ver isto. Na notícia linkada, lê-se que o alvo seriam crianças “carentes”, mas que não tinham acesso ao programa Medicaid. Como este programa cobre cerca de 14% da população e o limiar de pobreza está estimado em cerca de 12% da mesma, é fácil de ver que há alguma inconsistência na tese. E mesmo a pobreza nos EUA é uma assunto mal analisado: É que ao contrário da Europa, na América existe uma constante mobilidade social que faz com que as pessoas subam e desçam ocasionalmente à volta desse limiar. Na Europa a pobreza é um problema persistente, com as pessoas a dificilmente sairem dessa situação. Apesar do “estado social”.
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