Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

09 janeiro 2009

 

Democracia e Federalismo


No passado mês de Dezembro, o presidente Vaclav Klaus, da República Checa, recebeu uma visita de destacados membros do Parlamento Europeu, nomeadamente o seu presidente, Hans Gert Poettering, e o co-presidente do grupo dos Verdes Europeus, Daniel Cohn-Bendit. Sendo conhecida a posição oficial do presidente checo de que de modo algum a bandeira europeia poderia ser hasteada no palácio de Praga, a residência presidencial e símbolo do estado checo, os eurodeputados, ainda assim, ofereceram-lhe uma bandeira e exigiram o seu hastear. O inefável Cohn-Bendit, num gesto extraordinário de desrespeito por um chefe de estado, terá afirmado ao presidente Klaus que não estava interessado nas suas opiniões. Terá ainda acrescentado que o Parlamento Europeu já tinha validado a verdade das teorias do aquecimento global e que a República Checa não poderia colocar em causa a aprovação pela UE de medidas de combate às alterações climáticas.

No seguimento deste episódio, o presidente francês e na altura presidente em exercício da União Europeia, Nicolas Sarkozy, deu cobertura às acções dos eurodeputados, chegando a afirmar que a atitude checa constituia um desrespeito por símbolos europeus. Nas semanas que se seguiram, Sarkozy emitiu diversos ataques preventivos contra a presidência checa, dizendo que os checos não têm o peso e a capacidade para liderar a UE, ameaçando convocar cimeiras separadas dos países da zona Euro durante a presidência checa, por esta não fazer parte dela, e ainda afirmando que não acreditava que as autoridades em Praga tivessem a capacidade de fazer face aos desafios de política externa que se colocam à UE.

Se estas declarações de Sarkozy são uma antevisão do que espera a União na eventualidade do Tratado de Lisboa ser aprovado, então o futuro não será, definitivamente, risonho. A prepotência nas afirmações do presidente Sarkozy é um sinal claro do risco que correm os pequenos estados membros com o alargamento das decisões permitidas por maioria no Conselho Europeu. A União Europeia não é, nem pode ser, uma democracia (no sentido literal). É uma união de democracias, cada uma independente e soberana, que acordam entre si um conjunto de regras comuns nas suas relações, e nas relações entre os seus cidadãos, que a todos beneficiam. Entre estas regras poderão existir algumas que partilham determinadas responsabilidades de soberania, como por exemplo o controlo das fronteiras; mas sempre de mútuo acordo; nunca por imposição.

Mesmo que a união siga um caminho federalista, este deve sempre salvaguardar os direitos dos estados membros. As federações ou repúblicas federais têm tradicionalmente mecanismos políticos cujo objectivo é proteger os estados, ou entidades confederadas, por via de bloqueios. Isto é, deve ser mais fácil bloquear determinadas decisões do que permitir que elas sejam tomadas à força contra alguns membros. É verdade que o Tratado de Lisboa inclui provisões que protegem a independência dos diversos estados em certas áreas de governação. A fiscalidade, por exemplo. De igual modo, existem mecanismos na definição das maiorias qualificadas no Conselho Europeu que dificultam que os estados grandes possam impôr a sua vontade aos estados pequenos. Ou ainda a provisão que certas decisões tenham de ser ratificadas pelo Parlamento Europeu. Contudo, o facto da Alemanha, França e Itália juntos, por exemplo, não poderem bloquear decisões dos restantes 24, serve de fraco conforto. A verdade é que uma regra de aprovação de 15 votos em 27, desde que esses 15 contem 65% da população, numa situação em que os 5 países maiores têm 62% desta, não é suficientemente protectora dos restantes; especialmente quando os temas sujeitos a este tipo de maioria são assuntos tão importantes como as políticas energéticas, de imigração ou agricultura. O comportamento dos líderes de alguns dos 5 grandes, como o acima referido, ou como as cimeiras a 3, 4 ou 5 que ocasionalmente têm lugar, demonstra soberba e desconsideração pelos restantes estados; e esta constatação apenas aumenta o desconforto de pessoas como eu, de um modo geral favoráveis à união, relativamente à forma como esta está a evoluir.

Leitura complementar: Nicolas Sarkozy attacks Czech refusal to fly EU flag; EU's new figurehead believes climate change is a myth.

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