Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

05 maio 2008

 

Abutres


No contexto das notícias catastrofistas, quase “fim dos tempos”, sobre o aumento do custo de vários bens alimentares, a campanha do Banco Alimentar contra a fome deste fim de semana teve especial relevo nas notícias e tudo indica que foi muito bem sucedida. Quase duas dezenas de milhar de voluntários e, presumo, centenas de milhar de contribuintes (no sentido real do termo), deram forma a uma enorme iniciativa de apoio a quem passa necessidade. O que acho realmente extraordinário é o facto da maior parte destas pessoas não questionar o facto de apesar de quase metade de tudo o que produzem ser consumido pelo estado, alegadamente “social”, continuem a persistir situações de carência que apenas são resolvidas por iniciativas fora desse estado. Se o questionam, o facto é que não agem em consonância.

As décadas vão passando, o peso do estado vai aumentado e vão subindo de tom as queixas sobre aumentos das diferenças entre ricos e pobres, ou da dimensão das “bolsas” de pobreza. A conclusão, evidente, de que algo está errado no modelo do estado social nunca é atingida. As receitas passam sempre por mais intervenção, mais estado e menos escolha individual. Note-se que o problema é rigorosamente o mesmo nas outras funções, supostamente nucleares, do estado. Quanto mais cresce a carga fiscal, piores os serviços de saúde prestados, com enormes listas de espera e racionamento; menos formados são os alunos e mais desacreditada fica a escola pública; mais desacreditadas ficam a justiça e a segurança pública. As boas intenções, que proverbialmente vão pavimentando a estrada daqui ao inferno, essas nunca são questionadas.

A razão para esta passividade é filosófica. O humanitarismo, a ideia de que o padrão moral é o nobre sacrifício e de que a mais alta virtude que alguém pode almejar é viver para ajudar os outros são responsáveis por isto. Como escreveu Isabel Paterson, quando esta ideia se junta ao internacionalismo e à vontade de “ajudar a humanidade”, estão reunidas as condições para a catástrofe. Condicionadas pelo padrão moral altruista, as pessoas são incapazes de perceber as implicações efectivas dessa filosofia de subordinação da produção à ajuda a terceiros (quando devia ser justamente ao contrário) ou nem sequer de julgar os “grandes humanitários” pelos resultados e não pelas intenções (algo que parece óbvio).

Desta forma, as pessoas acabam por não ver o verdadeiro papel dos estadistas responsáveis pela situação. Não vêm que estes, ao defender as suas boas intenções para o estado “social”, acabam por comportar-se como abutres que se alimentam (espiritualmente, quando não literalmente) da miséria alheia.

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