Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

01 maio 2008

 

A verdadeira escassez


Dizia Voltaire que o senso comum não é assim tão comum. E, de facto, perante o que se tem dito sobre os preços dos bens alimentares, em especial o arroz, podemos concluir que a escassez de senso comum é algumas ordens de grandeza superior à escassez dos primeiros. Segundo o Jornal de Negócios, Zean Zeigler, que além de ter nome de guitarrista de rock psicadélico tem o sugestivo título de «relator da ONU para o Direito à Alimentação», terá afirmado que o biocombustíveis são «um crime contra grande parte da humanidade». Apesar de não achar que os biocombustíveis sejam grande ideia (mais ou menos no patamar do Microsoft Bob e do Fiat Multipla), creio que existem vários equívocos na ideia de que os aumentos de preços dos bens alimentares são causados pela produção de biocombustíveis.

Em primeiro lugar, à parte de algumas experiências com palha de arroz e outra biomassa resultante da sua produção, este alimento não é usado em biocombustíveis. Além disso, nem sequer se pode dizer que as commodities usadas em biocombustíveis (essencialmente milho e cana de açucar, a que se juntam em menor volume a soja, o côco e o girassól) tenham no arroz um substituto. Em segundo lugar, a subida do preço do arroz foi repentina, ao ponto de os preços não se terem repercutido ainda no produtor. O arroz transaccionado e cujo preço mais que duplicou encontra-se no circuito de distribuição internacional (entre o produtor e os grossistas nacionais). Isto sugere que o problema não se deve nem à produção (os níveis são idênticos aos do ano passado) nem ao consumo. Tudo indica que houve um súbito fluxo de dólares para este mercado como refúgio da desvalorização desta moeda. Quem tinha dúvidas de para onde iria o dinheiro barato injectado pela Federal Reserve tem aqui uma potencial resposta.

Mas mais extraordinário ainda é a multiplicidade de intervenções políticas neste mercado. Desde o nanny state japonês que tem desencorajado a produção de arroz com o objectivo de mudar os hábitos alimentares no país até ao rigoroso oposto em países como a China, onde o governo subsidia o arroz para encorajar a sua produção e consumo. Também brilhante é a intervenção dos governos da Índia, Vietname e Cambodja, que confrontados com uma subida do preço do arroz resolveram restringir a oferta; uma receita económica digna de um qualquer aluno da Faculdade “Chapeleiro Louco” de Economia da Universidade do País das Maravilhas, onde tudo funciona ao contrário.

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