10 abril 2008
Liberdade sem dicotomias III
O Ricardo Alves queixou-se de eu não ter lhe respondido sobre o que é a “liberdade económica”. Devo confessar que pensei que era uma pergunta retórica. Quando ele perguntou se tal coisa seria «A “liberdade” de não pagar impostos? A “liberdade” de pagar salários baixos? A “liberdade” de despedir mais facilmente?» pensei que era uma forma, apesar de equivocada, de fazer uma argumentação reductio ad absurdum. Parece que não, pelo que vou de seguida responder. Folgo, pelo menos, que a alegada contradição no meu argumento original já está esclarecida.
É difícil separar o conceito de liberdade económica do conceito genérico de liberdade. Na verdade, os pressupostos que servem de base à liberdade económica são eles próprios elementos essenciais da liberdade como um todo. Estes são: (i) o domínio da lei (rule of law), incluindo a igualdade de todos perante a lei, a sujeição do estado à lei e a previsibilidade da mesma; (ii) o respeito pelo direito de cada indivíduo à propriedade e integridade da sua pessoa, incluindo o produto do seu trabalho, a capacidade de acumular riqueza criada sob a forma de propriedade e de fazer uso desta em transmissão livre e voluntária; e (iii) o direito à interacção livre e voluntária entre indivíduos, incluindo o direito destes a estabelecer as regras (contratos) que regerão essa interacção, e que terão protecção da lei (ou de outros mecanismos de arbitragem voluntariamente aceites).
Existem alguns corolários destes princípios no âmbito económico, daí falar-se em liberdade económica. A liberdade de iniciativa (p.ex. criar uma empresa) ou a liberdade de escolha de profissão (ao contrário de outros tempos em que determinados indivíduos estavam barrados por nascimento a aceder a certas actividades).
Quando o Ricardo Alves pergunta pela liberdade de “pagar salários baixos” ou de “despedir mais facilmente”, está a assumir que a relação é coerciva. À liberdade de um empregador de não contratar determinado indivíduo por este pretender um salário demasiado alto, corresponde a liberdade deste último não aceitar um salário demasiado baixo. A transacção é voluntária. Quando existir interferência na liberdade das partes acordarem um preço, o mais provável é que se deixe de fazer a transacção. Igual lógica se aplica ao despedimento. As condições de terminar um contrato devem estar previstas no mesmo e ser livremente aceites pelas partes. Quanto maior a interferência, menos provável a transacção.
Já a questão de pagamento de impostos é de natureza diferente. É evidente que o estado necessita de financiamento. Se impostos sobre o rendimento e consumo são a forma mais eficiente de o fazer é algo que foge ao âmbito da definição de “liberdade económica”. O problema está na altura em que esses impostos se tornam opressivos (a própria origem do termo “imposto” diz muito). Isto é, quando violam o domínio da lei, o direito de propriedade ou o direito de interagir de forma livre e voluntária.
Etiquetas: democracia, liberalismo