24 maio 2006
Natureza Humana
Face a vários comentários do RicardoGF a um post seu sobre a imigração e a segurança social, o Luis Lavoura produziu um conjunto de afirmações que vieram, pelo menos para mim, confirmar a sua inefabilidade.
Citando dois ambientalistas (que em comum têm o facto de ser autênticos "profetas da desgraça" e preverem a falência do capitalismo) como fonte de influência nas suas opiniões, o Luis previu o fim do crescimento económico e o colapso da rentabilidade das poupanças; decretou a inevitabilidade da vida se tornar um zero-sum game; e defendeu uma bizarra dicotomia esquerda-direita em termos de percepção da natureza humana. Tudo isto ao mesmo tempo que confirma o seu conforto com o liberalismo e defende a "economia liberal" como o sistema mais moral.
Apesar destas múltiplas contradições darem "pano para mangas", vou apenas comentar o aspecto relativo à natureza humana. Parece-me que o Ricardo já disse o que tinha de ser dito nos seus comentários ao Luis no que toca à economia.
Afirmou o Luis: "Eu parece-me que [as pessoas serem fundamentalmente boas] é um princípio fundamental do esquerdismo, não do liberalismo. Em geral, os esquerdistas tendem a acreditar que as pessoas são fundamentalmente boas (altruistas), enquanto que os direitistas tendem a acreditar que as pessoas são fundamentalmente más (egoistas)."
Extraordinário como ele consegue dividir esta questão entre esquerda e direita. Curiosamente, depois desta afirmação, não disse qual seria a posição do liberalismo face à questão. Nem sequer a do Lavourismo. Presume-se que num campo que ele define de forma tão mutuamente exclusiva e colectivamente exaustiva, devem estar algures no intervalo fechado.
Por acaso até concordo que há uma parte da direita, mais conservadora, que tem uma visão pessimista da natureza humana. Uma perspectiva Calvin and Hobbes: Calvinista porque acredita no determinismo da vida e na inevitabilidade das coisas - mesmo quando não concorda com a ideia de que a salvação depende da "graça" e não da moralidade dos actos; Hobbesiana porque acredita na selvajaria natural dos homens, que viveriam num estado natural de guerra permanente se não existisse um "estado forte" para mantê-los na ordem.
Mas também há outra direita, mais liberal, que acredita na benevolência natural das pessoas. Uma visão que não deixa de ter uma curiosa, mesmo que parcial, confirmação por parte das mais recentes investigações sobre o funcionamento do cérebro, relativas à empatia com o sofrimento de outros indivíduos da espécie. No fundo uma versão literal, mas neste caso sincera, do Clintonesco I feel your pain.
Já quanto à esquerda, o Luis - tal como os seus gurus Hardin e Daly - está redondamente enganado. A esquerda, por definição, tem de acreditar na rasquice intrínseca da malta. Sendo os homens altruístas e bons (aceitemos aqui esta associação dos dois adjectivos apenas for argument's sake), que necessidade existe para todos os mecanismos de "estado ama-seca" defendidos pela esquerda?
De qualquer modo, o eixo sugerido pelo Luis não serve. A principal diferença em perspectivas sobre a natureza humana é entre o totalitarismo-colectivismo e o liberalismo. Na lógica de uma estratégia de poder totalitária, a crença na intrínseca maldade humana sempre serviu para algumas elites autocráticas dominarem as sociedades. É mais fácil subjugar os homens quando se consegue convencê-los de que são maus na sua essência, ou incapazes de viverem sem cair no caos. No fundo, fazendo-lhes crer que precisam da elite oligarca, da ruling class ou da protecção do tirano-opressor.
É parte integrante da filosofia que fundamenta o liberalismo, pelo menos tal como o entendo, o princípio optimista de que os homens são potencialmente bons. Que têm a capacidade racional para entender, na sua vida em sociedade, que existe um benefício tangível à cooperação e free-exchange, bem como ao respeito mútuo dos seus direitos fundamentais.
É evidente que existirão indivíduos desonestos e maus, tanto mais enquanto existirem sistemas sociais que criam incentivos a esses comportamentos. No entanto, é essencial abraçar o conceito de que cada indivíduo é capaz de agir eticamente de forma totalmente livre e voluntária, sem necessidade de uma "alta autoridade" que zele pela sua "pureza".
São os socialistas, comunistas, fascistas, nazis, radicais religiosos e outros totalitários que acham que, sendo os homens essencialmente maus, e incapazes de viver sem cair no caos e na lei da selva, existe a necessidade de criar um estado omnipresente que proteja os homens de si próprios.
Nota: Eu, copy-paster, me confesso. Alguns dos parágrafos finais neste post são tirados, embora ligeiramente alterados, de um comentário que fiz a um post do Henrique Raposo, há cerca de um ano, no entretanto encerrado Acidental.
Etiquetas: ética, individualismo, liberalismo, objectivismo
Bocas:
Enviar um comentário
<- Página Principal
"É parte integrante da filosofia que fundamenta o liberalismo, pelo menos tal como o entendo, o princípio optimista de que os homens são potencialmente bons."
Não concordo. Acho que é muito mais intrínseca ao liberalismo a perspectiva da definição (ou da "emergência") de liberdades negativas por oposição ao instinto naturalmente dominador e predatório do ser humano, e a necessidade da existência de um Estado de Direito que faça esse "enforcement".
Se fossemos todos bons selvagens Rousseauanos ou achássemos que caminhavamos todos para um desígnio de bem comum não precisavamos do Liberalismo. Tornavamo-nos sim em utilitaristas dispostos a optimizar a caminhada até lá.
Mesmo dentro das teorias (várias) do liberalismo vigente, há por exemplo a Public Choice que opta por partir dessas mesmas bases Hobbesianas para estabelecer um paradigma de liberalismo contratualista, com o objectivo de estabelecer um patamar mínimo de entendimento entre as várias estratégias dos individuos que constituem uma sociedade, de modo a que não se tenham que estar permanente a "controlar uns aos outros". A própria adopção do lema do "politics without romance" é sintomática da constatação de que o que prevalece, a menos que se estabeleçam mecanismos "enforceable" de limitação do poder, é o egoismo e a vontade do indivíduo, não qualquer designio colectivo do que é "bom".
Pelo contrario, acho sim que o Socialismo é optimista em relação à natureza humana, exactamente por acreditar num futuro de "partilha" e de "irmandade" plena, longe das perversões da inveja e da ambição. Vê-se no que tem dado.
Abraço,
JLP
Não concordo. Acho que é muito mais intrínseca ao liberalismo a perspectiva da definição (ou da "emergência") de liberdades negativas por oposição ao instinto naturalmente dominador e predatório do ser humano, e a necessidade da existência de um Estado de Direito que faça esse "enforcement".
Se fossemos todos bons selvagens Rousseauanos ou achássemos que caminhavamos todos para um desígnio de bem comum não precisavamos do Liberalismo. Tornavamo-nos sim em utilitaristas dispostos a optimizar a caminhada até lá.
Mesmo dentro das teorias (várias) do liberalismo vigente, há por exemplo a Public Choice que opta por partir dessas mesmas bases Hobbesianas para estabelecer um paradigma de liberalismo contratualista, com o objectivo de estabelecer um patamar mínimo de entendimento entre as várias estratégias dos individuos que constituem uma sociedade, de modo a que não se tenham que estar permanente a "controlar uns aos outros". A própria adopção do lema do "politics without romance" é sintomática da constatação de que o que prevalece, a menos que se estabeleçam mecanismos "enforceable" de limitação do poder, é o egoismo e a vontade do indivíduo, não qualquer designio colectivo do que é "bom".
Pelo contrario, acho sim que o Socialismo é optimista em relação à natureza humana, exactamente por acreditar num futuro de "partilha" e de "irmandade" plena, longe das perversões da inveja e da ambição. Vê-se no que tem dado.
Abraço,
JLP
«Pelo contrario, acho sim que o Socialismo é optimista em relação à natureza humana, exactamente por acreditar num futuro de "partilha" e de "irmandade" plena, longe das perversões da inveja e da ambição. Vê-se no que tem dado.»
Quanto ao socialismo, estou plenamente de acordo com o Migas. Se estas características fossem consideradas como sendo parte da humanidade, não haveria qualquer necessidade em forçar leis coercivas. O problema é precisamente o facto de o socialismo querer criar uma nova identidade humana que é contrária à sua própria natureza. Uma espécie de arquétipo de Homo Sovieticus.
No que toca ao liberalismo, creio que há interpretações para todas as escolhas. Cada uma terá os seus argumentos fortes.
Quanto ao socialismo, estou plenamente de acordo com o Migas. Se estas características fossem consideradas como sendo parte da humanidade, não haveria qualquer necessidade em forçar leis coercivas. O problema é precisamente o facto de o socialismo querer criar uma nova identidade humana que é contrária à sua própria natureza. Uma espécie de arquétipo de Homo Sovieticus.
No que toca ao liberalismo, creio que há interpretações para todas as escolhas. Cada uma terá os seus argumentos fortes.
Caro dos Santos,
"Se estas características fossem consideradas como sendo parte da humanidade, não haveria qualquer necessidade em forçar leis coercivas. O problema é precisamente o facto de o socialismo querer criar uma nova identidade humana que é contrária à sua própria natureza."
Concordo plenamente. Era aliás essa a constatação que eu queria fazer quando dizia que se vê em que é que tem dado o Socialismo.
Abraço,
JLP
"Se estas características fossem consideradas como sendo parte da humanidade, não haveria qualquer necessidade em forçar leis coercivas. O problema é precisamente o facto de o socialismo querer criar uma nova identidade humana que é contrária à sua própria natureza."
Concordo plenamente. Era aliás essa a constatação que eu queria fazer quando dizia que se vê em que é que tem dado o Socialismo.
Abraço,
JLP
Enviar um comentário
<- Página Principal