Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

28 janeiro 2008

 

A Bushologia II


(também postado n'O Insurgente)

Dos comentários às minhas razões para criticar os (quase) oito anos da presidência de George W. Bush, os relacionados com a política externa foram, naturalmente, os mais veementes. Já voltarei ao assunto. No entanto, foram também apresentadas objecções à minha afirmação de que Bush falhou ao não conseguir reformar a segurança social e o sistema fiscal. Essas objecções tiveram a ver essencialmente com:
Estas três afirmações são verdadeiras. Parcialmente. Para entender a estória completa é preciso colocar estes três factos em perspectiva. Haverá sempre uma oposição organizada, altamente barulhenta, contra qualquer tipo de reforma que vá contra as bem intencionadas, mas falidas e disfuncionais, políticas sociais inicialmente introduzidas pelos governos democráticos de Roosevelt e Kennedy. O mesmo fenómeno pode ser observado em qualquer país ocidental onde tais políticas existam. Isso não muda a urgência de agir antes de que os estados entrem em falência. E se há país onde a opinião pública é receptiva à ideia de auto-suficiência, responsabilidade individual e prudência fiscal, é na América.

A administração Bush protagonizou o maior aumento de poderes discricionários do executivo, uma autêntica afronta à separação de poderes, de que há memória (talvez exceptuando a presidência de Abe Lincoln). Para conseguir a carta branca do congresso para inúmeras coisas, a maior parte das quais ligadas à “war on terror”, Bush teve de barganhar, e para tal usou de contenção nos vetos a legislação gastadora vinda de ambos os lados do congresso. No fundo, o resultado foi o pior de dois mundos: despesa a crescer galopantemente e manutenção de um sistema fiscal com custos de gestão brutais.

Ao queimar o seu capital político na alimentação da incineradora de dólares em que se transformou a política externa americana, ficou sem nenhum para poder levar a bom porto as suas mais importantes promessas eleitorais. E se isso não é razão para julgar a sua presidência um tremendo fracasso, não sei o que será.

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25 janeiro 2008

 

A Bushologia


(também postado n'O Insurgente)

Uma pitada de desconfiança relativa aos Estados Unidos, enquanto símbolo do capitalismo, e uma dose q.b. de raiva a George W. Bush são os ingredientes certos para criar um prisma esquerdista através do qual se pode observar a América. De forma enviezada, claro. Julgar os Estados Unidos, em especial esta administração, torna-se assim uma ciência especial, com a sua própria base axiomática e epistemológica solidamente assente em coisa nenhuma e outras tretas. Uma “Bushologia”.

Não quer isto dizer que a administração Bush foi boa, ou sequer passável. Não foi. Foi uma bosta. Mas este meu juízo não se prende com o tipo de questões habitualmente apresentadas pelos bushólogos. Prende-se com o facto de que George Bush falhou redondamente nos três pontos principais em que fundamentou as suas campanhas em 2000 e/ou 2004:
Pelo contrário, Bush acabou por protagonizar um dos maiores crescimentos do estado federal desde Roosevelt. Rivaliza com Kennedy e Johnson; e acaba por ser imbatível se limitarmos a análise apenas a presidentes republicanos. Isso seria suficiente para considerá-lo péssimo. Mas on top, o senhor ainda consegue gastar perto de um trilião de dólares anuais armado em polícia do mundo.

Mas para os bushólogos isso não interessa. O que interessa é aplicar o tal prisma que vê tudo em função de vagas intenções e da glorificação do “estado infalível”, por um lado, e que só vê na América um suposto combate entre usurários especuladores e pobres desprovidos de cuidados de saúde, por outro. Os factos não interessam para nada. Bush aumentou brutalmente os gastos em educação, saúde e serviços sociais. Eu critico-o por isso, mas os bushólogos criticam-no por supostamente não o fazer. Neste post no Kontratempos, Tiago Barbosa Ribeiro não percebe como se pode pensar em reduzir o estado federal. Sai-se com o velho lugar-comum dos milhões de americanos que “não têm qualquer cobertura de saúde”. Sobre isso já escrevi aqui. Mas vai mais longe e dá o exemplo de um veto de Bush em que supostamente ele “recusou um programa que alargaria os cuidados médicos a crianças pobres”. O problema aqui é que o programa não era destinado aos pobres, constituindo antes uma expansão de cobertura a uma parte significativa das crianças na classe média. E é fácil ver isto. Na notícia linkada, lê-se que o alvo seriam crianças “carentes”, mas que não tinham acesso ao programa Medicaid. Como este programa cobre cerca de 14% da população e o limiar de pobreza está estimado em cerca de 12% da mesma, é fácil de ver que há alguma inconsistência na tese. E mesmo a pobreza nos EUA é uma assunto mal analisado: É que ao contrário da Europa, na América existe uma constante mobilidade social que faz com que as pessoas subam e desçam ocasionalmente à volta desse limiar. Na Europa a pobreza é um problema persistente, com as pessoas a dificilmente sairem dessa situação. Apesar do “estado social”.

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23 janeiro 2008

 

Statler and Waldorf II


N'O Insurgente:

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11 janeiro 2008

 

Passemos à próxima fase


Agora que a "sociedade civil", ou whatever, conseguiu impedir a construção do Espaçoporto Intergaláctico da Ota, é chegada a altura de começar a campanha por um crescimento faseado e fiscalmente conservador do Aeroporto Internacional do Jamé, mantendo a Portela a funcionar. Devagarinho, devagarinho, ainda chegamos à Portela + 1.

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09 janeiro 2008

 

3000000 de Blasfémias


O Blasfémias acaba de atingir a bonita soma de 3000000 de visitas. Isto não é para qualquer um. Daqui seguem as felicitações aos (ainda bloqueados) blasfemos.

 

Alguém seguirá as suas recomendações?


Eis um daqueles típicos disparates homéricos que ocasionalmente aparecem na nossa imprensa financeira. Escreve Ulisses Pereira no Jornal de Negócios:
Olhar para o gráfico da PTM deixa-me nostálgico. Mas também deve servir de lição a todos os que dizem que o investimento em Bolsa, no longo prazo, é sempre seguro.
E desde quando é que um título em particular serve de exemplo para uma estratégia de investimento de longo prazo? Será que o homem nunca ouviu falar em diversificação e risco específico versus risco de mercado? Investir "em bolsa" e comprar acções da empresa X não é a mesma coisa. Até existem teorias complexas relativamente a como constituir uma carteira adequadamente diversificada para minimizar os riscos específicos, fronteiras eficientes e coisa e tal.

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03 janeiro 2008

 

Morte na estrada


No DN de hoje, o título principal é "Cada morte na estrada custa um milhão". Se tivermos em conta que esta notícia surge logo no seguimento de uma semana em que as mortes na estrada tiveram direito a lugar especial na (demagógica) mensagem de ano novo do Presidente da República, deve vir aí nova ofensiva legislativa sobre os automobilistas. Os media são tão facilmente manipulados para se tornarem verdadeiros "idiotas úteis" do estatismo, que até assusta.
Os mortos nas estradas portuguesas, em 2007, custaram ao Estado 858 milhões de euros (um milhão de euros por vítima mortal), ou seja, 0,5% do produto interno bruto. "Cada vítima mortal em sinistralidade custa cerca de 200 mil contos em moeda antiga ao Estado, segundo os dados que Portugal comunica a Bruxelas", explicou ao DN Paulo Marques, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

O valor é calculado tendo em conta os valores de referência usados pelos tribunais e seguradoras na arbitragem de acidentes de viação, os quais têm em conta o investimento na formação (educação, saúde, segurança social, etc.) e os ganhos de produtividade que o Estado deixou de ter com a morte prematura de um cidadão activo. A estas contas juntam-se os custos que o Estado tem com os feridos graves, que muitas vezes não recuperam completamente das lesões sofridas nos acidentes.
Fazer estes cálculos não é, em si mesmo, um problema; apesar da confusão entre custos incorridos pelos cidadãos (ou por entidades com eles relacionadas, como seguradoras) e pelo estado, bem como da confusão entre custos com a destruição de capital (neste caso humano) e custos out-of-pocket (marginais, em cash). O problema está nas possíveis conclusões políticas que normalmente se pretendem tirar deste tipo de exercício. As pessoas não pertencem ao estado, pelo que a sua eventual falta de produção não é algo que o estado perca (no sentido de deixar de ter algo que se tinha). Quando estes argumentos são apresentados, o corolário é normalmente algo do género "temos de fazer alguma coisa, porque estes custos não são aceitáveis". E quando o estado resolve fazer alguma coisa, costuma dar asneira.

Ninguém fica contente com as mortes na estrada. Especialmente de inocentes (isto é, de pessoas que acabam por morrer vítimas de comportamentos alheios). Mas antes de embarcar na desmesurada indignação comum nesta altura do ano, que condena colectivamente todos os automobilistas, clamando por mais leis, multas e restrições, é preciso perceber qual a gravidade efectiva do problema. Todos estamos familiarizados com a reputação desastrosa dos condutores portugueses, e com as alegações de que temos as piores estatísticas. Mas será realmente assim?

A IRTAD é uma base de dados estabelecida pela OCDE para registar estatísticas relativas a acidentes rodoviários, usando uma metodologia o mais uniforme possível. O objectivo da OCDE com esta base de dados é facilitar investigação e pesquisa conducentes a melhorar a segurança nas estradas. De acordo com a IRTAD, entre 1988 e 2004 as mortes na estrada em Portugal baixaram de entre 30 a 35 (por cada 100000 habitantes) para cerca de 10. O gráfico seguinte mostra essa evolução, juntamente com a evolução em igual período da Espanha e da França.

A observação do gráfico permite de imediato verificar que até há meia dúzia de anos a sinistralidade rodoviária em Portugal era efectivamente catastrófica face aos nossos vizinhos europeus. Se observarmos o gráfico seguinte, em que se compara a evolução dos mesmos três países relativamente à sua média ponderada, podemos mesmo ver que durante a primeira metade da década de 90 a situação portuguesa até se agravou em termos relativos face a Espanha e França. Valores superiores a um estão acima dessa média, inferiores, abaixo. O ponto de viragem parece ser 1997, altura em que fui viver para Inglaterra. Se calhar a culpa era minha.

Para podermos tirar uma conclusão mais objectiva, contudo, é conveniente uniformizar esta evolução dos indicadores, fazendo 1988=100. Valores acima de 100 significam que a situação piorou face a 88, abaixo, que melhorou. Podemos assim ver que a evolução em Portugal é a mais dramática de todas. De (claramente) pior da OCDE durante duas décadas, para algures a meio da tabela (embora ainda na metade inferior); sendo que os valores absolutos em todos os países têm vindo a convergir, sinal de que a segurança tem aumentado across the board.

Este tipo de uniformização é especialmente importante porque os números apresentados por estas organizações padecem de inconsistências incompreensíveis. Acontece os valores per capita para Portugal virem calculados com base numa população de nove milhões, que salvo erro era o caso nos censos de 1991. Adicionalmente, às vezes o indicador é ajustado pelos 14% referidos na notícia do DN, outras vezes não. O próprio valor do ajuste de 14%, aplicado pela primeira vez em 1999, pode estar totalmente errado hoje em dia. Parece razoável assumir que os mesmos erros podem ser feitos nos números para os outros países.

De qualquer modo, usar apenas este indicador é só parte da "estória". Para entender a sinistralidade rodoviária em Portugal é preciso ir mais longe. No cômputo geral, é possível dizer que a situação já não é tão negra quanto a pintam, apesar de pior que a média da OCDE, comunitária, whatever. Mas se cavarmos mais fundo, encontramos nos números algumas estatísticas que surpreendem pela contra-intuição.

Em primeiro lugar, e comparando com Espanha, o nosso vizinho mais próximo, os mortos entre peões são impressionantes. 16% das mortes "na estrada" em Portugal são peões; em Espanha apenas 9%. Noutros países europeus as mortes entre peões são também mais significativas, mas tendo em conta o nível de mortes algo inferior, isso deve representar simplesmente menos acidentes entre veículos. Ainda mais chocante é o peso estatístico de mortes de condutores de motociclos e bicicletas, 28% em Portugal contra 18% em Espanha.

Em segundo lugar, também comparando com Espanha, o número de mortes dentro das cidades tem um peso desproporcionado. Cerca de 35% das mortes ocorrem em áreas urbanas (o que exclui auto-estradas, estradas nacionais e rurais). O mesmo valor para Espanha é 13%! Comparando com o apontado acima, isto significa que provavelmente as estatísticas portuguesas são piores que as médias internacionais por causa de atropelamentos e acidentes envolvendo motociclos e bicicletas, dentro das cidades. Face à aproximação dos indicadores agregados, não é irrazoável a conjectura de que ao nível de sinistralidade de estrada (propriamente dita) a situação portuguesa está pelo menos igual às médias internacionais. Também não é irrazoável concluir que as mortes anormalmente altas em áreas urbanas espalham falta de civismo, não necessariamente dos automobilistas. Mas isso já são outros quinhentos.

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