Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

20 setembro 2007

 

Mesmice


(também postado n'O Insurgente)

O nível do debate político por todo o lado é confrangedor. O deserto de ideias, de uma forma geral, e a falta de âncoras de diferenciação, em particular, resulta em algo que pode ser classificado com uma palavra: Mesmice.

Cada língua tem vocábulos que transmitem um significado especial a conceitos que noutras precisariam de frases relativamente complexas. Para mim, é comum às vezes preferir usar palavras inglesas para passar determinadas ideias. Afinal, de acordo com o Guinness Book of Records (pelo menos a edição de 87 que eu tenho cá em casa) o inglês é a língua com maior vocabulário. Além do seu crescente uso no meio empresarial e académico. Mas no caso do debate político, "mesmice" não só expressa o conceito certeiramente, mas também a carga emocional negativa subjacente. A palavra aplica-se também muito bem à visão premonitória de Tocqueville do efeito no espírito humano, e nas democracias, do igualitarismo cego e da opressão da multidão sobre o indivíduo.

O processo de "mesmificação" é gradual. Um pequeno sacrifício de liberdade vem depois de outro, como os grãos de areia de uma ampulheta. No campo das ideias passa por uma cada vez menor diferenciação entre os políticos elegíveis. No lugar de debater ideias e verificar quais acolhem consentimento democrático, o sistema passou a ser uma colagem ao que se pensa ser a vontade das massas. Se houver um mínimo de método no estudo dessa vontade, o natural é mesmo que os partidos da área do poder convirjam na mesmice. Ao absterem-se de tentar influenciar a "opinião pública", os políticos deixam de liderar e passam a seguir; deixam de propôr caminhos (potencialmente controversos) e passam a enunciar objectivos vagos (tipicamente consensuais); protelam as decisões difíceis e substituem-nas por uma azáfama de pequenas, mas numerosas, acções - que apenas reforçam a tendência da ampulheta: "[Cobrem] toda a sociedade com uma rede de regras pequenas e complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e as personalidades mais enérgicas não conseguem penetrar."

Cria-se uma espiral viciosa, onde a mesmice da política entorpece e reduz o livre arbítrio dos indivíduos, e onde a mesmice destes limita e empobrece o debate político. Gera-se um "poder, imenso e tutelar", que "não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica as pessoas, até que cada nação fique reduzida a nada mais que um rebanho de animais tímidos e trabalhadores, dos quais o governo é o pastor."

Etiquetas: ,


Bocas:
Enviar um comentário

<- Página Principal