12 julho 2007
Premonição
Penso, assim, que a espécie de opressão que ameaça as nações democráticas é diferente de qualquer outra anteriormente existente no mundo; os nossos contemporâneos não encontrarão um seu protótipo nas suas memórias. Procuro em vão encontrar uma expressão que transmita exactamente a ideia completa que formei sobre ela; as velhas palavras despotismo e tirania não são apropriadas: a coisa em si é nova, e como não consigo dar-lhe nome, tenho de tentar defini-la.
Procuro despistar as novas características sob as quais o despotismo pode aparecer no mundo. A primeira coisa que nos é dada a observar é uma enorme multidão de homens, todos iguais e parecidos, procurando incessantemente assegurar os pequenos e insignificantes prazeres com os quais saturam as suas vidas. Cada um, vivendo separadamente, é um estranho face ao destino dos restantes; a sua descendência e amigos próximos constituem para si toda a humanidade. Quanto ao resto dos seus concidadãos, está próximo deles, mas não os vê; toca-lhes, mas não os sente; existe apenas em si mesmo e para si mesmo; e se à sua família ainda permanece ligado, pode dizer-se, em todo o caso, que perdeu o seu país.
Acima desta raça de homens erege-se um poder, imenso e tutelar, que assume para si a tarefa de garantir as suas satisfações e zelar pelos seus destinos. Esse poder é absoluto, minucioso, regular, previdente e brando. Seria semelhante à autoridade de um pai se, como tal autoridade, o seu objectivo fosse preparar os homens para a vida adulta; mas, pelo contrário, procura mantê-los numa infância perpétua: está satisfeita que as pessoas se alegrem, desde que elas não pensem em mais nada senão alegrar-se. O governo afincadamente trabalha pela sua felicidade, mas opta por ser o único agente e árbitro dessa felicidade; providencia a sua segurança, prevê e colmata as suas necessidades, facilita os seus prazeres, gere as suas principiais preocupações, dirige a sua iniciativa, regula a transmissão da sua propriedade e subdivide as suas heranças: que sobra senão poupá-los às inquietações de pensar e ao trabalho de viver?
Desta forma, todos os dias torna menos útil e menos frequente o exercício do livre arbítrio; vai circunscrevendo a vontade a um alcance mais estreito, gradualmente roubando a um homem a utilidade de si mesmo. O princípio da igualdade preparou os homens para estas coisas; tornou-os predispostos a suportá-las e mesmo a considerá-las um benefício.
Depois de sucessivamente apanhar cada membro da comunidade, moldando-o como entende, o poder supremo estende o seu alcance sobre a totalidade da comunidade. Cobre toda a sociedade com uma rede de regras pequenas e complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e as personalidades mais enérgicas não conseguem penetrar para salientar-se acima da multidão. A vontade do homem não é estilhaçada, mas antes amolecida, dobrada e orientada; o poder raramente força os homens a agir, mas constantemente impede a sua acção. Este poder não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica as pessoas, até que cada nação fique reduzida a nada mais que um rebanho de animais tímidos e trabalhadores, dos quais o governo é o pastor.
Alexis de Tocqueville - "Da Democracia na América" 2º vol. - sec. 4 - cap. 6 (1840)
Traduzido e adaptado por mim a partir da tradução para inglês de Henry Reeve (1899)
Etiquetas: alienação, individualismo, liberalismo