08 novembro 2006
Triple-X: Os Lucros Obscenos dos Bancos
A opinião cá do burgo parece ser que empresas com lucros "elevados" são um faux pas. Não se percebe muito bem como é que as empresas grandes irão sobreviver sem lucros grandes, mas enfim... Tem piada ouvir os jornalistas e alguns comentadores a usarem a expressão "lucros financeiros", como quem adiciona o palavrão à four-letter-word para dar ainda mais efeito. Bem sei que eles até podiam estar a referir-se aos lucros de actividades não operacionais, mas não creio que o seu conhecimento sobre finanças vá tão longe. É mesmo uma expressão pejorativa para os lucros. Um dia destes, na onda do Gross National Happiness, ainda inventam os "lucros sociais".
Quando os lucros são dos bancos, o desdém transforma-se em indignação. Não há direito, e tal, pagam poucos impostos, fogem aos impostos, enganam os clientes, exploram os empregados, blah, blah, blah. Como qualquer um pode comprar acções dos principais bancos e tornar-se um potencial e perigoso ultra-neo-liberal-capitalista-selvagem-banqueiro, é espantoso que não haja uma corrida aos corretores. Mas a verdade é que um rápido reality check dos economics dos principais bancos privados portugueses, comparando-os com algumas referências internacionais, mostra alguns factos inesperados.
Abaixo estão dois quadros a fazer esta comparação. No lado português usei os três principais cotados em bolsa: BCP, BES e BPI. No lado internacional usei os seis maiores do mundo, em capitalização. Quatro deles operam comercialmente em Portugal, sendo dois, destes quatro, espanhóis. Os indicadores usados para a comparação são o dividend yield e os rácios price/sales e price/book.
Capitalização Bolsista | Dividend Yield | Price/Sales | Price/Book | |
BCP | 9,2 | 1,46% | 1,91 | 2,60 |
BES | 6,2 | 2,97% | 1,54 | 1,42 |
BPI | 4,5 | 2,03% | 4,73 | 3,74 |
Nos bancos portugueses, a observação mais relevante é o quanto o BPI parece ser outlier relativamente aos outros, nos rácios. Isto será provavelmente devido à OPA do BCP, que provocou uma subida acentuada da capitalização bolsista do BPI (a componente price dos rácios).
Capitalização Bolsista | Dividend Yield | Price/Sales | Price/Book | |
Citigroup | 248,3 | 3,90% | 1,86 | 2,14 |
HSBC | 219,4 | 3,80% | 2,43 | 2,43 |
BSCH | 108,6 | 2,70% | 2,07 | 2,09 |
Barclays | 87,7 | 3,80% | 1,83 | 2,77 |
BBVA | 82,4 | 2,40% | 3,01 | 2,74 |
LloydsTSB | 60,7 | 5,90% | 1,29 | 3,19 |
Nos bancos internacionais, os contrastes são menores nos rácios, embora seja curioso observar que os dois bancos espanhóis têm um dividend yield ligeiramente menor que os outros. Como em contrapartida os rácios do BBVA estão ligeiramente acima, isso pode significar uma expectativa de potencial OPA ou potencial crescimento acima da média. A principal observação deste quadro é o quanto estes bancos são enormes, relativamente aos portugueses.
Dividend Yield | Price/Sales | Price/Book | |
Média* Bancos Portugueses | 2,06% | 2,43 | 2,49 |
Média* Bancos Internacionais | 3,70% | 2,11 | 2,42 |
A observação do quadro comparativo do grupo de bancos portugueses face ao grupo benchmark, permite fazer duas observações:
1) Os rácios dos portugueses são ligeiramente superiores, sugerindo que estes estão sobre-avaliados face ao benchmark. Este efeito deve-se essencialmente à OPA do BCP sobre o BPI, e à ideia de que mesmo que esta OPA falhe, o BPI permanece um alvo apetecível.
2) Os dividendos dos bancos portugueses são menos interessantes que os do benchmark. A diferença é demasiado grande para poder ser totalmente explicada pela OPA sobre o BPI.
Em conclusão, vemos que em média os bancos portugueses não são muito diferentes dos internacionais, excepto na sua rentabilidade para os accionistas, que é inferior. Poderíamos formular a hipótese de que os bancos portugueses são igualmente rentáveis, mas que têm um payout-ratio menor. Isso significaria que eles estariam a investir mais, o que não é verosímil. Por isso, ou os nossos banqueiros não são tão obscenos quanto isso ou os banqueiros internacionais são verdadeiros demónios...
Tendo em conta que temos um governo socialista, é também interessante ver as consequências da recente investida contra a banca, com os prometidos aumentos de impostos para o sector. É que um aumento dos impostos implicará uma diminuição dos resultados líquidos. Assim sendo, para manter os dividendos, os bancos terão de diminuir os investimentos. Será isto que o governo quer? Em alternativa, para manter o investimento, terão de diminuir os dividendos, tornando-os mais baratos e vulneráveis a OPAs. Claro está, que quando uma dessas OPAs se materializar, e os iluminados quiserem "preservar os centros de decisão nacional", lá vai o mexilhão, via Caixa Geral de Depósitos, financiar o cavaleiro branco.
Etiquetas: finance 101
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Fazer a comparação com base na capitalização bolsista não me parece muito correcto - afinal, se os bancos tiverem lucros "anormais" a sua capitalização bolsista também será "anormal" e o rácio dividendos/capitalização bolsista acabará por ser normal.
O correcto seria comparar os lucros dos bancos com os seus capitais próprios e ver se, em proporção, são maiores ou menores que os dos outros sectores (como os bancos estão, em larga medida, protegidos contra falências pelo seguro legal, até seria de esperar que, pelo menor risco, tivessem também uma menor taxa de lucro)
O correcto seria comparar os lucros dos bancos com os seus capitais próprios e ver se, em proporção, são maiores ou menores que os dos outros sectores (como os bancos estão, em larga medida, protegidos contra falências pelo seguro legal, até seria de esperar que, pelo menor risco, tivessem também uma menor taxa de lucro)
Miguel,
A análise do Price/Book permitiria identificar irregularidades significativas causadas por diferenças nos capitais próprios (que seriam essencialmente contabilísticos). De qualquer modo, o montante realmente investido pelos accionistas é medido pela capitalização (se eles quisessem vender e comprar outro negócio, este seria o montante em causa). Para sermos ainda mais precisos, poderíamos usar o "enterprise value" em vez da capitalização, mas usando as muletas do Miller&Modigliani, podemos assumir que se as estruturas de capital dos bancos estivessem muito alavancadas isso forçaria retornos maiores para os accionistas face ao risco. Além de que os rácios price/sales e price/book parecem confirmar que em média as estruturas de capital dos dois grupos não são muito diferentes.
Seria realmente interessante fazer uma análise dos bancos versus outros sectores. Não foi o meu objectivo aqui, claramente. Também pensei nisso, mas infelizmente isso teria de ser feito relativamente a empresas no mesmo mercado (Euronext Lisboa), com razoável liquidez e peso no mercado e que permitissem realmente tirar conclusões estatisticamente válidas sobre esses sectores. Na nossa bolsa isso não existe. Os principais títulos com essa liquidez e peso são demasiado excepcionais para poderem ser usados. Ex-monopólios públicos, como a PT e EDP, empresas com situações excepcionais, como a Brisa, ou conglomerados complexos como a Sonae, não permitiriam uma análise válida. Diga-se de passagem, que todas elas (exceptuando a Sonae) têm dividend yields superiores aos bancos... A Sonae tem mais baixo por várias razões (amortização da sua enorme dívida, investimentos significativos noutros mercados, etc).
A análise do Price/Book permitiria identificar irregularidades significativas causadas por diferenças nos capitais próprios (que seriam essencialmente contabilísticos). De qualquer modo, o montante realmente investido pelos accionistas é medido pela capitalização (se eles quisessem vender e comprar outro negócio, este seria o montante em causa). Para sermos ainda mais precisos, poderíamos usar o "enterprise value" em vez da capitalização, mas usando as muletas do Miller&Modigliani, podemos assumir que se as estruturas de capital dos bancos estivessem muito alavancadas isso forçaria retornos maiores para os accionistas face ao risco. Além de que os rácios price/sales e price/book parecem confirmar que em média as estruturas de capital dos dois grupos não são muito diferentes.
Seria realmente interessante fazer uma análise dos bancos versus outros sectores. Não foi o meu objectivo aqui, claramente. Também pensei nisso, mas infelizmente isso teria de ser feito relativamente a empresas no mesmo mercado (Euronext Lisboa), com razoável liquidez e peso no mercado e que permitissem realmente tirar conclusões estatisticamente válidas sobre esses sectores. Na nossa bolsa isso não existe. Os principais títulos com essa liquidez e peso são demasiado excepcionais para poderem ser usados. Ex-monopólios públicos, como a PT e EDP, empresas com situações excepcionais, como a Brisa, ou conglomerados complexos como a Sonae, não permitiriam uma análise válida. Diga-se de passagem, que todas elas (exceptuando a Sonae) têm dividend yields superiores aos bancos... A Sonae tem mais baixo por várias razões (amortização da sua enorme dívida, investimentos significativos noutros mercados, etc).
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