Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

29 novembro 2006

 

Individualismo


No Blasfémias, Pedro Arroja escreveu uma série de posts a descrever o impacto de algo a que ele chama "individualismo do menino-mimado" no caminho para o desenvolvimento de um estado autoritário e, no longo prazo, falido. O ponto é válido e bem argumentado. Trata-se da identificação de um problema de freeriding, ou problema do "pendura", semelhante ao que eu descrevi há alguns meses, embora Pedro Arroja tenha optado por uma análise mais centrada no aspecto de "cultura dominante" e de corporativismo.

Contudo, a forma como o termo "individualismo" é usado nos posts parece-me perigosa filosoficamente. Algumas afirmações nas caixas de comentários parecem confirmar a minha preocupação de que este uso do termo pode ter efeitos perversos. Algo na linha do que acontece com expressões como "capitalismo selvagem" e "justiça social", exemplos de falácias; uma que pretende denegrir o capitalismo ao colar-lhe um termo pejorativo e atributos que não fazem parte da sua definição; outra que tenta derivar legitimidade, a partir do conceito original, para o adjectivo que lhe é anexado.

O "individualismo do menino-mimado", na mesma ordem de ideias, não é individualismo. Não me parece difícil entender que do mesmo modo que o conceito de "liberdade" não atribui a alguém o direito a violar a "liberdade" de outrém, o conceito de "individalismo" não inclui acções que implicam a dependência do sujeito face a terceiros. Alguém ser individualista significa defender interesses próprios, na expectativa de que outros façam o mesmo. Ou como escreveu Ayn Rand em Atlas Shrugged: "I swear—by my life and my love of it—that I will never live for the sake of another man, nor ask another man to live for mine."

O que Pedro Arroja descreve são pessoas a tentarem obter benefícios indevidos à custa de outras; pessoas que acham que os outros lhes devem luxos e privilégios; pessoas que acham que os seus caprichos são direitos legítimos. Esta pessoas não são individualistas. O individualista pretende independência para criar, não para roubar; para ter controlo sobre a sua vida, não sobre a vida de outros; para interagir em pé de igualdade com outros indivíduos, não para os dominar.

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Bocas:
Reconheça-se que em português é difícil de numa palavra fazer a distinção que Rand defendia entre "rational egoism", e "egotism". Concordo em absoluto com este post e considerando que a caixa de comentários do Blasfémias está transformada num quadro de Bosch (o que é uma pena, porque eles merecem melhores adversários), mais perigoso se torna o uso indevido do termo.
 

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