Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

29 julho 2006

 

Barricadas


No Blasfémias, o JCD identifica claramente uma das questões mais importantes no debate das razões e dos valores no conflito israelo-árabe. É evidente que, racionalmente, só há uma escolha possível quando essa escolha é entre a liberdade e o terrorismo. Igual lógica usou Durão Barroso no caso do Iraque ao dizer que, mesmo preferindo uma solução diplomática, apoiaria sempre um aliado democrático face a um regime opressivo e ditatorial.

Vejo contudo dois problemas nesta ideia, ambos derivados da formulação incompleta por ela apresentada:

Em primeiro lugar, ela ignora a opção de não "tomar partido". Elementos neutrais nos conflitos são necessários e muitas vezes essenciais para a sua resolução. Se toda a gente se colocásse atrás das barricadas todos os conflitos eram globais. Não existindo uma necessidade premente, de vida ou morte, de fazer a dita escolha, corre-se o risco de resvalar para um simples warmonger.

Em segundo lugar, a escolha, por mais evidente que seja, não exime quem a faz de manter o sentido crítico por forma a não aceitar todas as acções do "seu lado" at face value, nem de assumir tudo de mau relativamente ao outro lado. A desumanização do adversário pode ser comum entre os combatentes como forma de eliminar a dissonância cognitiva, mas não deveria ter lugar na apreciação e julgamento morais de quem não está directamente envolvido.

No Iraque, quem "tomou partido" teve de engolir as incompetências dos serviços de informação anglo-americanos (afinal não existiam as famigeradas WMD), do poder político americano (Rumsfeld e companhia não faziam a menor ideia de como proceder depois da invasão, nem tiveram a coragem de mandar tropas na quantidade suficiente) e do comando militar aliado (Franks e companhia cometeram erros sucessivos nas relações com a população e desmantelaram estupidamente toda a organização administrativa do país).

Além destes dois aspectos, existe um terceiro que complica: a politização, isto é, a divisão tanto da "questão palestiniana" como da guerra no Líbano em campos esquerda-direita. Se Israel mexe um dedo, vêm logo as vozes esquerdistas denunciar atrocidades, violações de direitos humanos, etc. Isto ao mesmo tempo que contemporizam e relativizam os actos dos movimentos terroristas radicais árabes. Pelo outro lado, a cada atentado terrorista, vêm a direita generalizar e apontar um conflito de culturas que insinua que por trás de cada muçulmano está um terrorista; e ao mesmo tempo tende a relevar os erros que Israel também tem cometido ao longo deste conflito de décadas. Neste cenário, "tomar partido" tem um inconveniente adicional: contribui para extremar as posições políticas, empurrando as pessoas que dão importância às ideias para pigeon-holes e "alianças" contra-natura (p.ex. entre liberais e neocons; entre cristãos e a extrema esquerda).

Nota Preciosista:
O JCD apresenta na lista de escolhas duas que para mim não são assim tão claras...
Entre um governo democraticamente eleito e um bando de fundamentalistas do Corão, só há uma escolha possível.
E se o governo democraticamente eleito for um "bando de fundamentalistas do Corão"? Tanto o Hamas como Ahmadinejad foram eleitos... Eleições democráticas não garantem que os bad guys não ganhem as eleições.
Entre um exército soberano e um grupo armado que se escuda entre civis, só há uma escolha possível.
Esta escolha podia aplicar-se à resistência francesa à ocupação do exército (soberano) alemão durante a 2ª Guerra. Há para aí muitos exércitos soberanos a cometer atrocidades. E os guerrilheiros (árabes ou não) sempre se enconderam entre os civis.

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