22 maio 2006
A Mão Invisível da Mente Brilhante
Existem alguns conceitos de teoria económica de primordial importância no estudo da acção humana e política. Coisas como a já velhíssima Mão Invisível de Adam Smith e conceitos mais recentes da Teoria de Jogos. Outro dia dei comigo a pensar se não será a Mão Invisível uma instância de um Equilíbrio de Nash (bem sei, I should get out more). Afinal, se a teoria prevê situações em que os intervenientes num jogo têm incentivos à acção individual que maximiza os benefícios colectivos, então o equilibrio entre a oferta e a procura causado pela Mão Invisível deveria ser uma instância da teoria geral.
A Mão Invisível é na sua essência um argumento filosófico que resulta da observação da actividade económica: agentes que actuam racionalmente, procurando obter benefícios para si próprios através de transacções, acabam por beneficiar a comunidade a que pertencem como um todo, apesar de não ser essa a sua motivação. O exemplo associado a este argumento é o da obtenção de um preço natural no cenário de um mercado competitivo, algo que é empiricamente observável. O argumento tem um corolário irrefutável: a defesa do interesse individual não é, pela sua natureza, incompatível com a maximização dos benefícios para a comunidade.
Apesar disto, a Mão Invisível é regularmente contestada por críticos do capitalismo e dos mercados livres. Em especial quando defendem intervenções estatais cuja alegada finalidade é a de promoção do “bem comum”. Existem dois erros nas críticas habitualmente feitas à Mão Invisível: o primeiro é quando o argumento de Smith é virado do avesso, como se ele tivesse sugerido que toda a defesa dos interesses indivíduais fosse necessariamente benéfica para a comunidade; o segundo é que face à constatação de instâncias onde o equilibrio de interesses individuais possa ser prejudicial à comunidade, se conclua pela não existência das instâncias onde o reverso acontece.
Quase dois séculos depois de Adam Smith ter enunciado o argumento da Mão Invisível, John Nash publicou um paper sobre jogos competitivos onde sistematizou aquilo a que hoje em dia chamamos Equilíbrio de Nash: Uma solução para um jogo com N jogadores, onde existe uma situação de equilíbrio em que nenhum jogador individual tem incentivo a mudar a sua estratégia se os restantes N-1 mantiverem inalteradas as suas. Nash demonstrou matematicamente que para qualquer jogo finito, existe sempre pelo menos um Equilíbrio de Nash.
No filme “Uma Mente Brilhante”, baseado no livro com o mesmo nome sobre a vida de Nash, é apresentada a cena onde supostamente lhe terá surgido a inspiração para a teoria. Uma rapariga loira muito atraente, acompanhada de quatro amigas menos atraentes, entra no bar onde Nash e mais três colegas estão a conversar. Os colegas mencionam Adam Smith; que cada um deve preocupar-se apenas consigo; e preparam-se para meter conversa com as raparigas. Nash tem uma visão, e diz-lhes que Adam Smith estava errado; que a melhor forma de assegurar que todos saíssem dali acompanhados seria cooperarem. Se todos abordássem a loira, as amigas ficariam melindradas e nenhum deles levaria nem a loira nem as amigas. Se por outro lado, ignorássem a loira e concentrássem-se cada um numa das amigas, maximizariam as suas hipóteses de sucesso.
À boa maneira de Hollywood, este exemplo está totalmente errado. Primeiro, o episódio não faz parte do livro, nem sequer ocorreu - foi uma invenção “Hollywoodesca”. Se acreditásse em teorias de conspiração, até podia pensar que a intenção era de deliberadamente desacreditar Adam Smith aos olhos do grande público. Segundo, até pode ser verdade que cooperando desta forma eles poderiam sair do bar acompanhados - embora permanceça a dúvida, sendo eles afinal de contas, mestrandos em matemática... No entanto, enquanto a loira estivesse livre cada um deles teria sempre o incentivo de meter conversa com ela, pelo que a cooperação nunca levaria a um Equilíbrio de Nash.
Ao contrário do que foi apresentado nesta cena do filme, a teoria de Nash é na verdade uma poderosa extensão da Mão Invisível e da teoria de acção colectiva. Mostra que existem inúmeras circunstâncias, sem cooperação e sem ambientes competitivos, onde decisões descentralizadas são eficientes. De igual modo, permite sistematizar situações onde o equilíbrio não é eficiente, o que ajuda a identificar estratégias de cooperação que permitam - se necessário e possível - optimizá-lo. Mas isso fica para a próxima.
Etiquetas: economia, liberalismo, teoria de jogos
Bocas:
Enviar um comentário
<- Página Principal
Caro "Migas",
O seu post é muito interessante e convida a alguns comentários. Como são extensos e um pouco técnicos, e dado que não consigo aceder ao seu email, convidava-o a escrever-me (tiago.mendes@economics.oxford.ac.uk) para trocarmos algumas ideias sobre o assunto. Se lhe apetecer, claro.
Cumprimentos,
O seu post é muito interessante e convida a alguns comentários. Como são extensos e um pouco técnicos, e dado que não consigo aceder ao seu email, convidava-o a escrever-me (tiago.mendes@economics.oxford.ac.uk) para trocarmos algumas ideias sobre o assunto. Se lhe apetecer, claro.
Cumprimentos,
Olá Migas,
Gostei muito de seu post.
Quanto ao autointeresse em Smith,
creio, todavia, que a visão geralmente atribuída a Smith como criador de um homo economicus, egoísta, é uma simplificação de sua obra, uma interpretação incompleta pois não leva em consideração seus outros escritos, principalmente a Teoria dos Sentimentos Morais.
Me Parece que Smith foi caricaturizado como o criador de um indivíduo maximizador e autointeressado. O contexto das motivações intelectuais de Smith foi o do iluminismo escocês. E este é uma clara resposta ao indivíduo egoísta de hobbes e mandeville.
O homem é autointeressado no sentido de que busca saciar seus desejos da forma mais intensa que puder, todavia, isso não significa abster que qualquer código moral. Smith explica de forma sintética e brilhante essa comunhão entre ética e economia ao utilizar a metáfora da corrida. Argumentará que todo homem pode estirar cada músculo o máximo que conseguir e buscar vencer a corrida, mas que se acotovelar algum concorrente ou violar alguma regra, o público não admitirá a trapaça. Então o autointeresse de Smith não é uma busca irrefreada pelo próprio interesse, mas condicionada às regras do jogo. Eis o homem proposto por Smith, que não prescinde de um senso de moralidade.
Então a cooperação tal como propõe Nash é uma possibilidade inscrita na Obra de Smith. Não na riqueza das nações, mas na Obra de Smith como um todo.
Gostaria de saber sua opinião...
Abraços
Gostei muito de seu post.
Quanto ao autointeresse em Smith,
creio, todavia, que a visão geralmente atribuída a Smith como criador de um homo economicus, egoísta, é uma simplificação de sua obra, uma interpretação incompleta pois não leva em consideração seus outros escritos, principalmente a Teoria dos Sentimentos Morais.
Me Parece que Smith foi caricaturizado como o criador de um indivíduo maximizador e autointeressado. O contexto das motivações intelectuais de Smith foi o do iluminismo escocês. E este é uma clara resposta ao indivíduo egoísta de hobbes e mandeville.
O homem é autointeressado no sentido de que busca saciar seus desejos da forma mais intensa que puder, todavia, isso não significa abster que qualquer código moral. Smith explica de forma sintética e brilhante essa comunhão entre ética e economia ao utilizar a metáfora da corrida. Argumentará que todo homem pode estirar cada músculo o máximo que conseguir e buscar vencer a corrida, mas que se acotovelar algum concorrente ou violar alguma regra, o público não admitirá a trapaça. Então o autointeresse de Smith não é uma busca irrefreada pelo próprio interesse, mas condicionada às regras do jogo. Eis o homem proposto por Smith, que não prescinde de um senso de moralidade.
Então a cooperação tal como propõe Nash é uma possibilidade inscrita na Obra de Smith. Não na riqueza das nações, mas na Obra de Smith como um todo.
Gostaria de saber sua opinião...
Abraços
Enviar um comentário
<- Página Principal