«Durante algum tempo, poder-se-ia pedir ao primeiro-ministro que tivesse vergonha na cara. Agora, resta saber se a temos nós.» – Nuno Pombo, aqui.
A sustentabilidade de um regime mede-se na maior parte pela seriedade dos seus titulares de cargos públicos. Mas, numa democracia, é sobre os cidadãos que recai a responsabilidade final relativa ao destino do regime: Se este apodrece e cai, ou se se regenera e sobrevive. A indiferença generalizada da população à corrupção, à mentira, ao abuso da causa pública, à imoralidade, ao desrespeito pelas formalidades democráticas e pela separação de poderes, fere de morte o regime. Quem defende o primeiro-ministro com base numa argumentação autista de que a violação do segredo de justiça (o que até agora não foi o caso) ou de privacidade é um atentado ao Estado de Direito, fecha os olhos ao facto de que são as próprias acções do primeiro-ministro e da sua entourage que, mais do que ferir o Estado de Direito, põe potencialmente em causa o próprio regime, ao criarem um clima de relativização ética e de free-for-all em que vale tudo.
Parece que estamos a chegar a um momento da verdade. Dentro do PS, quem se achar sério tem a obrigação de se demarcar desta liderança abismal; não esquecendo que a seriedade de cada um é apenas tão real quanto as suas acções efectivas (ou como diria o imaginário Forrest Gump, «Stupid is as stupid does»). Lutas passadas contam pouco no presente. Na oposição, à falta de acção pelo Presidente da República, pelo próprio governo ou pelo partido que o apoia, há que mostrar em termos claros que não se é conivente com a situação. Se isso implicar uma moção de censura ou mesmo eleições antecipadas, que eventualmente não desejem, so be it. Se depois de eleições tudo ficar na mesma, o que parece improvável, então o país terá o governo que (aparentemente) merece; e será apenas uma questão de tempo até o regime ruir e a espiral descendente bater no fundo.
Leitura complementar: A Espiral Descendente; Revisitando a Espiral Descendente; (ou, como diria Spooner, protagonista de I Robot, «Somehow I told you so just doesn’t quite say it.»)