Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

05 dezembro 2007

 

Liberalismo e Marxismo


(também postado n'O Insurgente)

Recorrentemente aparece alguém algures que tenta comparar o liberalismo ao marxismo. Se no caso do marxismo já é relativamente errado encará-lo como uma corrente única, no caso do liberalismo é um tremendo equívoco, como referiu aqui, acertadamente, o RAF. De qualquer modo, é interessante analisar as razões que levam alguns a fazer esta comparação. Deixando de lado aqueles que se limitam a aplicar a etiqueta "marxista" ao liberalismo, ou por vezes até a alvos liberais específicos, como se fosse um palavrão ou uma ofensa pré-adolescente, podemos classificar a comparação da seguinte forma:
A questão do determinismo económico é interessante na medida em que há de facto um paralelismo superficial. Liberalismo e marxismo partem da observação de que a sobrevivência é a preocupação primordial de cada homem (algo óbvio, diria eu); seguidamente verificam que a acção dos indivíduos na resposta a essa preocupação é condicionada pela realidade económica. Onde diferem, e não pouco, é que o marxismo afirma que as limitações económicas levam à disseminação da ideologia que perpetua essa realidade, isto é, que os factores económicos têm primazia sobre os factores políticos. Esta afirmação tem a sua origem na perspectiva marxista de que a história faz-se de conflitos entre classes, tendo a classe dominante controlo sobre os meios económicos e, por conseguinte, o domínio sobre as restantes. O liberalismo focaliza a sua análise no indivíduo, por isso, como identificou Lord Acton, vê o conflito antes entre liberdade individual e poder coercivo; pelo que a liberdade económica é parte indissociável dessa liberdade, contra toda a espécie de concentração de poder.

O construtivismo social é uma acusação perfeitamente infundada. A liberdade individual defendida por todas as correntes liberais tem raízes pré-políticas. É defendida como um bem em si mesmo e não como um passo na construção de alguma sociedade ideal. Podemos, por indução, verificar que os resultados que esta liberdade traz são positivos. Mas a defesa dessa liberdade permaneceria mesmo que os não trouxesse. Já o construtivismo marxista é real. No seguimento do seu ponto de partida essencialmente determinista, como vimos acima, o marxismo defende que se deve activamente procurar uma revolução que altere as condicionantes económicas, com vista à construção da tal sociedade ideal. Neste contexto, a defesa da acção colectiva marxista depende sempre do objectivo final a construir. O fim justifica os meios.

O racionalismo utópico é no fundo uma questão etimológica. É uma acusação feita essencialmente ao ramo objectivista. Existe um enorme mal-entendido na atribuição a Ayn Rand do adjectivo "racionalista". O objectivismo está muito mais próximo do empirismo (p.ex. John Locke) do que do racionalismo (p.ex. Descartes). A linha epistemológica do objectivismo vem na tradição aristotélica, incluindo alguns dos seus desenvolvimentos tomistas e do iluminismo. Já o marxismo vai buscar a sua reputação "racionalista" pelo carácter pretensamente científico. Esta confusão é materializada, por exemplo, na matriz de Pournelle, que coloca objectivistas e comunistas no extremo "racionalista" da matriz; embora em extremos opostos no eixo do "estatismo" (o que já em si está mal, tendo em conta que Rand era minarquista).

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