05 dezembro 2007
Liberalismo e Marxismo
(também postado n'O Insurgente)
Recorrentemente aparece alguém algures que tenta comparar o liberalismo ao marxismo. Se no caso do marxismo já é relativamente errado encará-lo como uma corrente única, no caso do liberalismo é um tremendo equívoco, como referiu aqui, acertadamente, o RAF. De qualquer modo, é interessante analisar as razões que levam alguns a fazer esta comparação. Deixando de lado aqueles que se limitam a aplicar a etiqueta "marxista" ao liberalismo, ou por vezes até a alvos liberais específicos, como se fosse um palavrão ou uma ofensa pré-adolescente, podemos classificar a comparação da seguinte forma:
- As acusações são normalmente de (1) determinismo económico, (2) construtivismo social e/ou (3) racionalismo utópico, características quase consensuais do marxismo
- Os alvos são tipicamente as correntes liberais mais sistemáticas intelectualmente, como o "libertarianism" americano, o objectivismo ou o liberalismo do século XX (com influência de Mises, Hayek ou Friedman, entre outros, que alguns críticos apelidam de "neoliberalismo", embora o termo esteja bastante abastardado)
O construtivismo social é uma acusação perfeitamente infundada. A liberdade individual defendida por todas as correntes liberais tem raízes pré-políticas. É defendida como um bem em si mesmo e não como um passo na construção de alguma sociedade ideal. Podemos, por indução, verificar que os resultados que esta liberdade traz são positivos. Mas a defesa dessa liberdade permaneceria mesmo que os não trouxesse. Já o construtivismo marxista é real. No seguimento do seu ponto de partida essencialmente determinista, como vimos acima, o marxismo defende que se deve activamente procurar uma revolução que altere as condicionantes económicas, com vista à construção da tal sociedade ideal. Neste contexto, a defesa da acção colectiva marxista depende sempre do objectivo final a construir. O fim justifica os meios.
O racionalismo utópico é no fundo uma questão etimológica. É uma acusação feita essencialmente ao ramo objectivista. Existe um enorme mal-entendido na atribuição a Ayn Rand do adjectivo "racionalista". O objectivismo está muito mais próximo do empirismo (p.ex. John Locke) do que do racionalismo (p.ex. Descartes). A linha epistemológica do objectivismo vem na tradição aristotélica, incluindo alguns dos seus desenvolvimentos tomistas e do iluminismo. Já o marxismo vai buscar a sua reputação "racionalista" pelo carácter pretensamente científico. Esta confusão é materializada, por exemplo, na matriz de Pournelle, que coloca objectivistas e comunistas no extremo "racionalista" da matriz; embora em extremos opostos no eixo do "estatismo" (o que já em si está mal, tendo em conta que Rand era minarquista).
Etiquetas: liberalismo, objectivismo