20 junho 2007
Barbarians at the gate II
Exemplo prático 1: RJR Nabisco
Em 1988, alguns anos depois da fusão entre a tabaqueira R.J. Reynolds e a empresa alimentar Nabisco, o presidente da entidade resultante (RJR Nabisco), Ross Johnson, anunciou que ele e a restante equipa de gestão da empresa pretendiam adquirir a totalidade do capital e retirá-la da bolsa. O preço de cada acção da RJR Nabisco era na altura de cerca de 50 dólares. Johnson propunha-se comprar o capital a um preço de 75 dólares por acção. Várias ofertas concorrentes se seguiram, acabando a empresa por ser vendida meses mais tarde à Kohlberg Kravis Roberts & Co (KKR) a 109 dólares por acção. À altura, foi a maior operação de leveraged buyout de sempre. Que explicação existe para a disparidade entre os preços por acção antes e depois do anúncio da OPA? Trata-se de irracionalidade do mercado?
Antes do anúncio, a RJR Nabisco era gerida de forma opulenta pela sua gestão. O exemplo paradigmático era a frota de 23(!) jactos privados ao serviço da empresa para transportar Johnson e os seus muchachos de uma lado para o outro. Embora operacionalmente a empresa fosse relativamente bem gerida (havendo ainda assim margem para melhoria), os overheads eram monumentais, o que fazia com que um negócio estável e com grande capacidade de gerar cash apresentásse uma rendibilidade medíocre para os seus accionistas. O buyout surgia assim como uma solução óbvia, usando a "disciplina da dívida" para aumentar a eficiência, obtendo tax shields da conversão de parte do seu capital próprio em obrigações e alienando unidades de negócio que tivessem maior valor para outros donos (relativamente ao conglomerado RJR Nabisco).
Ironicamente, Johnson não chegou a esta conclusão por si próprio. Como demonstrou recentemente o exemplo da OPA sobre a Portugal Telecom, a gestão incumbente não admite os seus desperdícios espontaneamente. Precisa de um estímulo externo. No caso da RJR Nabisco, esse estímulo foi dado por Henry Kravis, da KKR, que sugeriu a Johnson a operação, permanecendo a equipa de gestão em funções e tornando-se accionistas. Levando a aquela que seria uma das mais lendárias operações de bolsa de sempre, incluindo drama, ganância, vaidade e egos feridos, Johnson decidiu que queria ele liderar a operação. "Passou a perna" à KKR e contratou a Shearson Lehman Hutton para montar a coisa. As "bocas" de Kravis ao desperdício na empresa devem ter ajudado... Mas a malandragem acabou por não correr bem à gestão. No fim, os accionistas aceitaram antes a proposta da KKR.
Nunca a gestão incumbente poderia ter resolvido por si mesma os problemas da empresa e que deprimiam o preço das acções. Primeiro porque era ela própria responsável pelo desperdício. Segundo porque uma mudança na estrutura de capital na RJR Nabisco era impossível face à dispersão accionista e aos requisitos públicos de disclosure a que a empresa estava sujeita. O "mercado" não era por isso "irracional". Os agentes sabiam bem que se a estratégia defendida e executada pela gestão continuásse, a RJR Nabisco apresentaria sempre resultados líquidos relativamente medíocres, e por isso o preço das acções tinha de ser baixo. A partir do momento em que se tornou pública a existência de bids concorrentes para executar um leveraged buyout da empresa, e ficou patente que a probilidade de sucesso seria alta, o preço subiu, incorporando o valor actualizado dos tax shields, da venda de activos e de redução de gordura (a começar pelos 23 jactos privados).
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