Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

15 maio 2006

 

Does this come with a money-back guarantee?


No seguimento de um post do RicardoGF sobre a segurança social no Speaker's Corner Liberal Social, gerou-se uma discusão acesa sobre a viabilidade de sistemas de capitalização, a natureza pirâmidal do nosso sistema e solidariedade inter-geracional. Previsivelmente, o inefável Luis Lavoura acabou a pontificar sobre os muitos velhinhos que vão morrer na miséria quando a economia mundial implodir, levando consigo os fundos de capitalização.

Uma vez que muito do que é afirmado sobre sistemas de pensões e segurança social é dito numa base de gut-feeling e não de dados objectivos, resolvi fazer um exercício simples de simulação da capitalização das contribuições realizadas por um trabalhador ao longo da sua carreira contributiva. Assim, podemos todos ter uma melhor ideia do que está em causa quando se fala do assunto.

O modelo consiste nos seguintes inputs e outputs:

INPUTSOUTPUTS
Duração da carreira contributivaDuração esperada
da reforma
Idade de início de actividadeTaxa composta de crescimento do vencimento (real)
Esperança de vidaVencimento no final de carreira (nominal)
Taxa de inflação média no periodoCapitalização total nominal das contribuições no início da reforma
Vencimento no início da carreiraReforma a receber (nominal)
Vencimento no final da carreira (a preços correntes)Reforma a receber (real)
Taxa de capitalização das contribuições (real)Taxa de cobertura da reforma face a último vencimento
Taxa de contribuição (em função do vencimento)Superavit (ou deficit) da reforma relativo a último vencimento (nominal)

Como base, escolhi o cenário expectável face a valores típicos nos últimos anos e previsíveis para o futuro, nomedamente ao nível da taxa de contribuição, que assumi igual à de um trabalhor por conta de outrém no nosso sistema de segurança social. Note-se que a taxa de inflação é irrelevante uma vez que trabalhamos com capitalização real (a preços correntes, com base no primeiro ano da carreira contributiva). Foi assumido um crescimento real do poder de compra deste salário de 1% ao ano. A taxa real de capitalização de 2% permite chegar a uma capitalização de 4,5% consistente com o retorno de longo prazo da dívida pública, o que é um pressuposto extremamente conservador. Assim, o perfil do "indivíduo" em análise é:

Duração da carreira contributiva (anos)43
Idade de início de actividade22
Esperança de vida80
Taxa de inflação média no periodo2,5%
Vencimento no início da carreira600 EUR/mês
Vencimento no final da carreira (a preços correntes)900 EUR/mês
Taxa de capitalização das contribuições (real)2,0%
Taxa de contribuição (em função do vencimento)34,75%

O modelo indica que para este cenário - extremamente conservador - o contribuinte receberia uma pensão nominal de 3015 EUR/mês, ou 1043 EUR a preços correntes, uma cobertura de 115,9% face ao último vencimento. Uma vez que, ao contrário do vencimento, a reforma não estaria sujeita a contribuições, a reforma líquida é ainda maior face ao último vencimento. Note-se que estes rácios são independentes do vencimento, pelo que alguém que tivesse um vencimento superior ou inferior teria uma reforma na mesma proporção. Até aqui tudo certo. As contas indicam que o sistema de segurança consegue cobrir a reforma do contribuinte e ainda sobra um bocado para ajudar com a "safety net".

O problema começa a surgir quando comparamos estes número com a realidade e, em especial, com a alternativa de um investimento num fundo de pensões privado. Em primeiro lugar, é sabido que as contribuições para a segurança social não têm servido para capitalizar mas antes para pagar as reformas dos actuais pensionistas. Em segundo lugar, o perfil de risco de cada indivíduo é diferente da dívida pública e também varia ao longo da sua vida. Não sendo razoável esperar que o sistema público seja capaz de dar resposta aos perfis de risco de todos os diferentes contribuintes, o normal seria que cada um pudesse escolher um sistema privado que correspondesse ao seu risco - mesmo garantindo contribuições extra para uma "safety net". Comparemos então o resultado entre o modelo com os inputs acima referidos e outros em
tudo igual mas com uma taxa de capitalização mais próxima dos fundos privados (um relativamente conservador e equilibrado, outro com mais risco e com um peso mais significativo em acções):


Taxa de capitalização = 2,0%Taxa de capitalização = 4,0%Taxa de capitalização = 6,0%
Reforma nominal3015 EUR/mês(*)5897 EUR/mês11719 EUR/mês
Taxa de cobertura do último vencimento115,9%226,6%450,3%
Superavit anual5780 EUR46120 EUR127633 EUR

O resultado é de deixar qualquer um perplexo. Uma gestão minimamente competente das contribuições deveria gerar retornos que não só cobririam na integra a reforma de cada contribuinte, como angariariam fundos mais do que suficientes para garantir qualquer "safety net". O superavit da capitalização permitiria garantir anualmente, durante o periodo de reforma do contribuinte, o equivalente a meia, 4 e 10 pensões mínimas (que coloquei em 300 EUR mensais a preços correntes). Só para ficar mais claro: nos cenários com fundos privados, as contribuições de um indivíduo permitiriam não só assegurar a sua reforma a um nível ligeiramente acima do seu último vencimento, como ainda garantir pensões mínimas para mais 4 a 10 reformados. Tendo em conta que nos últimos 40 anos, incluindo 3(!) crashes nas bolsas, o retorno anual do S&P 500 é superior a 11%, estes números podiam ser ainda mais impressionantes...

Conclusões:

1) Com contribuições ao nível das actuais, seria possível fazer muito mais e melhor. O retorno do sistema de segurança social no seu todo é uma catástrofe.
2) Para obter uma reforma compatível com o seu nível de vida, cada contribuinte poderia investir uma fracção muito menor do que lhe é actualmente cobrado pelo sistema obrigatório de segurança social, pelo que o argumento de que com isso se perderia a protecção social não tem fundamento.
3) Uma taxa de contribuição entre 8% e 15% permitiria a qualquer indivíduo assegurar a sua reforma. Face aos actuais 34,75%, sobre muita margem para ajudar com uma "safety net".

É caso para perguntar: Que raio anda o estado a fazer com as nossas contribuições para a segurança social?!?

(*) por lapso, na versão original deste post, o valor nesta tabela estava errado, embora correcto no texto.

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Bocas:
Só um detalhe (para já - ainda vou olhar melhor): a actual contribuição não é 34,75%, é 34,75/123,75 (aproximadamente 28,1%)
 
Outra dúvida: os 600 euros no principio da carreira são a preços correntes no ano de principio de carreira? É que, se forem, isso seginifica um aumento nominal de 0,95% ao ano, logo uma quebra do ordenado médio de 1% ao ano - não me parece um pressuposto muito realista.
 
A segurança social não cobre somente o sistema de reformas, mas coisas como o subsídio de desemprego, invalidez...
 
A contribuição é de 34,75% do salário bruto do trabalhador. Se ele ganha 1000, paga ele 110 e o empregador outros 237,5.

O aumento de 600 EUR no início para 900 EUR no final é real. Isto significa um ganho de poder de compra de 0,95%. O salário nominal final seria de 2602 EUR.
 
Excelente post.
Pela primeira vez vi publicado um trabalho sobre os vários aspectos que influenciam as reformas.
Não sei se os valores estarão próximos do real mas a base do estudo parece-me muito correcta.
 
Julgo que o "fundo de pensões" da segurança social beneficia ainda da morte de contribuintes antes de se reformarem ou dos que falecem antes de atingirem a idade maxima definida pela tabela de mortalidade.
Já agora, amigo Migas, gostaria de conhecer a sua opinião sobre as causas reais que determinaram a falência do sistema.
(As causas da falência do sistema transmitidas pelos políticos e "opinantes do regime" já todos as conhecemos.)
Parabéns pelo post.
 
Não foi incompreendido Migas. Parabéns pelo post.
 
A resposta à ultima questão está directamente ligada à questão da percentagem das contribuições que são gastas a pagar a própria máquina da segurança social, que como todos sabem é colossal.
 
Parabéns pelo post, muito esclarecedor.
 
Bom, terei que olhar em maior pormenor para todos os pressupostos assumidos...
Todavia, todos nós sabemos das vantagens dos sistemas de capitalização numa óptica indidual...
Agora, gostaria que fosse incorporado também tudo o resto que é financiado pela Segurança Social: subsídios de desemprego, subsídios de aleitamento, licenças de parto, abonos de família...
Por outro lado, não gostaria deixar de dizer que nos últimos anos o Fundo de Pensões da segurança Social tem batido todos os privados em matéria de rendibilidade...
 

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