Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

26 setembro 2007

 

*Suspiro*


Nicholas Negroponte told the New York Times: "I have to some degree underestimated the difference between shaking the hand of a head of state and having a cheque written. And yes, it has been a disappointment."

(link via BBC)

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24 setembro 2007

 

As Pessoas


Cada vez que passa uma destas efemérides como o Dia Europeu Sem Carros, vindo invariavelmente alguém dizer na televisão que assim "se devolvem as ruas às pessoas", ou que a iniciativa pretende "melhorar a vida das pessoas", ocorre-me a ideia de que há nestas coisas uma tremenda contradição.

Como é que impedidindo o acesso a determinados sítios se está a devolvê-los às pessoas? Como é que impedindo as pessoas de utilizar o mais eficiente meio de transporte ao seu alcance se está a melhorar as suas vidas?

Não discuto que uma avenida como a Avenida da Liberdade sem carros (ou com um número reduzido) fica muito mais agradável à vista e muito melhor para passear. Mas acontece que a maior parte das pessoas que por lá passa não está a passear. Vicissitudes da vida, é o que é. Podem dizer o que quiserem, mas dizer que é por causa "das pessoas" é que não.

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20 setembro 2007

 

Mesmice


(também postado n'O Insurgente)

O nível do debate político por todo o lado é confrangedor. O deserto de ideias, de uma forma geral, e a falta de âncoras de diferenciação, em particular, resulta em algo que pode ser classificado com uma palavra: Mesmice.

Cada língua tem vocábulos que transmitem um significado especial a conceitos que noutras precisariam de frases relativamente complexas. Para mim, é comum às vezes preferir usar palavras inglesas para passar determinadas ideias. Afinal, de acordo com o Guinness Book of Records (pelo menos a edição de 87 que eu tenho cá em casa) o inglês é a língua com maior vocabulário. Além do seu crescente uso no meio empresarial e académico. Mas no caso do debate político, "mesmice" não só expressa o conceito certeiramente, mas também a carga emocional negativa subjacente. A palavra aplica-se também muito bem à visão premonitória de Tocqueville do efeito no espírito humano, e nas democracias, do igualitarismo cego e da opressão da multidão sobre o indivíduo.

O processo de "mesmificação" é gradual. Um pequeno sacrifício de liberdade vem depois de outro, como os grãos de areia de uma ampulheta. No campo das ideias passa por uma cada vez menor diferenciação entre os políticos elegíveis. No lugar de debater ideias e verificar quais acolhem consentimento democrático, o sistema passou a ser uma colagem ao que se pensa ser a vontade das massas. Se houver um mínimo de método no estudo dessa vontade, o natural é mesmo que os partidos da área do poder convirjam na mesmice. Ao absterem-se de tentar influenciar a "opinião pública", os políticos deixam de liderar e passam a seguir; deixam de propôr caminhos (potencialmente controversos) e passam a enunciar objectivos vagos (tipicamente consensuais); protelam as decisões difíceis e substituem-nas por uma azáfama de pequenas, mas numerosas, acções - que apenas reforçam a tendência da ampulheta: "[Cobrem] toda a sociedade com uma rede de regras pequenas e complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e as personalidades mais enérgicas não conseguem penetrar."

Cria-se uma espiral viciosa, onde a mesmice da política entorpece e reduz o livre arbítrio dos indivíduos, e onde a mesmice destes limita e empobrece o debate político. Gera-se um "poder, imenso e tutelar", que "não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime, enerva, extingue e estupidifica as pessoas, até que cada nação fique reduzida a nada mais que um rebanho de animais tímidos e trabalhadores, dos quais o governo é o pastor."

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19 setembro 2007

 

Se as escolas fossem austríacas


(também postado n'O Insurgente)

Todos os anos, no início do ano lectivo, aparecem as queixas do costume: É a menina que não teve vaga na escola do outro lado da rua de sua casa; a aldeia cuja escola fechou e as crianças têm de viajar X Kms até à aldeia vizinha; os professores colocados onde não querem viver; os professores não colocados; etc.

Tudo isto resultado de uma causa elementar. A insistência dos iluminados planeadores centrais em amordaçar a única ferramenta que permitiria o encontro de oferta e procura: Um sistema de preços efectivamente livre.

Pelo contrário, o Ministério da Educação toma (ou melhor, impõe) as suas decisões a todos, assumindo as coisas mais disparatadas: Que a utilidade marginal de cada escola é igual; que os professores são um factor de produção homogéneo; que não existem elementos diferenciadores para moldar a procura. A febre igualitária faz com que no lugar de tratar todos de forma idêntica, o estado tente forçar todos a ser iguais. One size fits all.

Se existisse pelo menos um mecanismo mínimo de disseminação de informação na forma de preços livres, mesmo mantendo o nível global de despesa do estado em educação via, por exemplo, um “cheque-ensino”, a eficiência aumentaria brutalmente. Certamente que a arbitrariedade do sistema actual terminaria. O preço de determinada escola, empurrado pela procura, passaria a representar o conjunto total de atributos desta aos olhos dos pais (localização, qualidade, whatever). Se quisessem realmente ter uma escola na sua aldeia, os habitantes poderiam pagar um pouco mais, atribuindo um valor objectivo à proximidade. E se não estivessem dispostos a tal, pelo menos isso ficaria claro enquanto escolha.

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10 setembro 2007

 

Importa-se de repetir?


No Expresso, Maria José Nogueira Pinto produziu umas declarações daquelas para entrar no Hall of Fame das frases infelizes:
Outra prioridade imediata, diz, “é travar o declínio (da Baixa-Chiado)”. A antiga vereadora dá como exemplo “travar a proliferação das lojas chinesas, porque se continuam naquele território, nunca mais vai ser possível deitar mão ao pequeno comércio”. Nogueira Pinto considera que o comércio “é central” para a Baixa, mas sem as lojas chinesas, que “estão a dar cabo do comércio da cidade”.
O ideal, explicou Nogueira Pinto ao Expresso, seria deslocar as lojas chinesas para uma «Chinatown» (que, quando era vereadora, propôs que se localizasse entre o Martim Moniz e os Anjos).
Que eu saiba as "lojas chinesas" não obrigam ninguém a lá entrar. Se são um sucesso é por existir mercado para elas. É porque alguma vantagem os clientes vêem em fazer lá as suas compras (money talks)... Colocá-las fora do caminho é uma forma insidiosa de proteccionismo; agravada por um cheiro a controleirismo. Para não falar na "Chinatown" com cheiro a gueto. Pouco edificante.

(via Blasfémias)

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07 setembro 2007

 

Integridade e Consistência


Até o António ter tão entusiasticamente começado a postar sobre Ron Paul, nunca tinha ouvido falar deste congressista americano. Tive uma natural reacção de curiosidade, mas não pensei que ele tivesse qualquer significado prático na campanha para as eleições presidenciais de 2008. Também não pensei que a sua estatura fosse por aí além. Nunca pensei que o GOP pudesse ter um congressista de longo prazo (dez mandatos!) que conseguisse manter consistentemente posições filosoficamente liberais-clássicas (ou liberatarian, se preferirem).

É com satisfacção que vejo que estava redondamente enganado. A tarefa de vencer as primárias é quase impossível. Mas o sucesso de fund raising de Ron Paul garante pelo menos que uma proporção grande de eleitores ouvirá as suas ideias. E isso já está a ter impacto no curso da campanha e no discurso dos restantes pré-candidatos. Por um lado as diversas declarações, artigos, discursos de Ron Paul que estão facilmente disponíveis em variados sítios, blogs, etc, na net mostram a sua impressionante consistência intelectual, que coloca no preverbial chinelo qualquer dos restantes pré-candidatos. Por outro, há um elemento de integridade e dignidade que é invulgar. Uma veemência (em inglês escolheria a palavra fortitude) perante os opositores que o tratam desrespeitosamente que é o sinal de um homem de enorme dignidade.

Neste vídeo, retirado do debate dos pré-candidatos republicanos na Fox News, vemos a inabalável performance de um homem de convicções e valores à medida que os moderadores (claramente hostis) tentavam liquidá-lo com perguntas desenhadas para tentar ridicularizar as suas posições. Isto enquanto ao fundo se ouvem as risadinhas sarcásticas de outro dos pré-candidatos (aparentemente Rudy Giuliani). Vejam o que Ron Paul é e vejam o que a política devia ser.

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04 setembro 2007

 

Re: A evolução da inveja e da infelicidade


Neste post, João Miranda expõe um cenário de competição entre duas categorias de personalidades hipoteticamente determinadas ao nível genético. Uma contente com um nível de vida mínimo (chamemos-lhes pombas) e uma "invejosa", que apenas é feliz se estiver melhor que as restantes (chamemos-lhes falcões). A conclusão do João é que os falcões tenderão a dominar (isto é, propagarão mais os seus genes).

Creio que esta conclusão está errada, embora seja difícil argumentar na medida em que o cenário não define variáveis essenciais para determinar o comportamento de ambos os grupos:

1) A proporção, à partida, dos dois grupos na população total é desconhecida.
2) A definição do nível absoluto Xp, que satisfaz as pombas, é desconhecido.
3) O valor, ou mesmo o tamanho relativo, de d, em Xp + d = Xf, que permite determinar o nível que satisfaz os falcões, é desconhecido.
4) O nível de agressividade potencial não é definido. Qual seria o comportarmento dos grupos perante a escassez de recursos face às suas expectativas?

A afirmação do João de que as pombas serão eliminadas por erro de esforço é essencial para o seu raciocínio e precisa de ser demonstrada. À partida, os alvos das pombas são mais bem definidos pois são absolutos. São os falcões que perseguem alvos relativos e que evoluem em função da proporção dos dois grupos na população total. Ou seja, mais facilmente os falcões errariam na "dosagem" de esforço que as pombas.

Intuitivamente, o equilíbrio dependerá da proporção relativa das duas populações. Isto é, se existirem muito mais falcões que pombas, a concorrência interna nesse grupo será dominante e a maioria dos indivíduos será infeliz. Isto sugere que este equilíbrio seria instável, podendo, por exemplo, levar a um mais rápido consumo dos recursos escassos. Alternativamente, existindo muito mais pombas, os falcões manteriam a sua vantagem comparativa sem concorrência interna, o que segere alguma estabilidade.

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