Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

25 junho 2007

 

Thank you for smoking


Existe um grupo social que é dos principais, senão mesmo o principal, apoiante do bem comum e da vontade geral, sacrificando-se abnegadamente em prol dos seus concidadãos. São os fumadores, que contribuem anualmente (excluindo outros impostos que eventualmente paguem) com 1.395.000.000 Euros para os cofres do estado e que custam uns míseros 434.000.000 Euros ao Serviço Nacional de Saúde. Adicionalmente, estas generosas e altruistas criaturas fazem o favor de expirar-se antecipadamente, reduzindo as liabilities do sistema de segurança social e libertando importantes fundos para pagar os programas sociais do estado. Os fumadores materializam os grandes ideiais socialistas, potenciando os amanhãs que cantam.

Para mim, que sou individualista, isto é relativamente indiferente. Mas para os estatistas, perante as suas prioridades sociais, em vez de perseguir os fumadores, deviam era agradecer-lhes.

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23 junho 2007

 

Barbarians at the gate IIII


A animosidade contra os fundos de Private Equity tem bastante a ver com algum anti-capitalismo e anti-americanismo, como refere o Ricardo. Mas tem também, ou possivelmente mais, a ver com a mentalidade colectivista que parece reclamar que "as empresas são nossas", que é como quem diz "não são dos seus donos". É uma tendência curiosa presente até nos mais insuspeitos locais. Seja por suposto "patriotismo" ou "defesa dos nossos household names", quando uma empresa é comprada por alguém de fora levanta-se sempre um sururu...

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21 junho 2007

 

Barbarians at the gate III


Exemplo prático 2: Gulf Oil

No início dos anos 80, a Gulf Oil anunciou que pretendia concentrar-se em partes da sua actividade no sector petrolífero, uma vez que a evolução do mercado tornara as multinacionais com integração vertical completa algo de obsoleto. No seu caso, a gestão da Gulf tinha especial interesse na exploração e desenvolvimento (que é como quem diz, queria procurar e desenvolver novas reservas de petróleo). Já tinha passado quase uma década desde os oil shocks dos anos 70, o valor do petróleo parecia ter encontrado um nível permanentemente alto, e todos os grandes gurus previam o fim do "ouro negro" para o início do século XXI (aqui podemos fazer uma pausa para rir a bandeiras despregadas). Pronto. Continuemos.

O preço das acções da Gulf Oil na altura era de cerca de 40 dólares. T. Boone Pickens, um conhecido raider texano, ofereceu 65 dólares por acção para assumir o controlo da empresa. Depois de alguns meses de batalha, em que também a sempre presente KKR esteve envolvida, a Chevron acabou por "salvar" a Gulf de cair nas mãos de Pickens, comprando-a por cerca de 80 dólares por acção (na altura a maior aquisição de sempre, que viria a ser ultrapassada anos mais tarde pela já referida operação com a RJR Nabisco). Mais uma vez: Irracionalidade do mercado? Que explica tamanha diferença?

Este caso é relativamente simples. Apesar do que diziam os gurus, a exploração e desenvolvimento da Gulf tinha uma taxa interna de retorno de apenas 7,9%. Isto comparando com um WACC (custo de capital médio ponderado) de 15,3%. Ou seja, o valor actualizado líquido dos novos poços de petróleo da empresa era negativo. Mais concretamente cerca de 38 dólares por acção. Que significa isto? Que os agentes no mercado sabiam que a prospecção da Gulf era mau negócio, e que se a gestão a abandonásse, a empresa valeria os 40 dólares do preço das acções mais os 38 vindos do abandono da actividade negativa, ou seja 78 dólares por acção. Curiosamente, como forma de verificar o quanto o mercado encarava negativamente a estratégia da gestão da Gulf Oil, se calculássemos o valor actualizado do petróleo dos poços que a empresa tinha em actividade, obteríamos cerca de 70 dólares (mesmo ignorando assim o valor das restantes actividades de retalho da empresa, é um valor muito acima dos 40 praticados então na bolsa).

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20 junho 2007

 

Barbarians at the gate II


Exemplo prático 1: RJR Nabisco

Em 1988, alguns anos depois da fusão entre a tabaqueira R.J. Reynolds e a empresa alimentar Nabisco, o presidente da entidade resultante (RJR Nabisco), Ross Johnson, anunciou que ele e a restante equipa de gestão da empresa pretendiam adquirir a totalidade do capital e retirá-la da bolsa. O preço de cada acção da RJR Nabisco era na altura de cerca de 50 dólares. Johnson propunha-se comprar o capital a um preço de 75 dólares por acção. Várias ofertas concorrentes se seguiram, acabando a empresa por ser vendida meses mais tarde à Kohlberg Kravis Roberts & Co (KKR) a 109 dólares por acção. À altura, foi a maior operação de leveraged buyout de sempre. Que explicação existe para a disparidade entre os preços por acção antes e depois do anúncio da OPA? Trata-se de irracionalidade do mercado?

Antes do anúncio, a RJR Nabisco era gerida de forma opulenta pela sua gestão. O exemplo paradigmático era a frota de 23(!) jactos privados ao serviço da empresa para transportar Johnson e os seus muchachos de uma lado para o outro. Embora operacionalmente a empresa fosse relativamente bem gerida (havendo ainda assim margem para melhoria), os overheads eram monumentais, o que fazia com que um negócio estável e com grande capacidade de gerar cash apresentásse uma rendibilidade medíocre para os seus accionistas. O buyout surgia assim como uma solução óbvia, usando a "disciplina da dívida" para aumentar a eficiência, obtendo tax shields da conversão de parte do seu capital próprio em obrigações e alienando unidades de negócio que tivessem maior valor para outros donos (relativamente ao conglomerado RJR Nabisco).

Ironicamente, Johnson não chegou a esta conclusão por si próprio. Como demonstrou recentemente o exemplo da OPA sobre a Portugal Telecom, a gestão incumbente não admite os seus desperdícios espontaneamente. Precisa de um estímulo externo. No caso da RJR Nabisco, esse estímulo foi dado por Henry Kravis, da KKR, que sugeriu a Johnson a operação, permanecendo a equipa de gestão em funções e tornando-se accionistas. Levando a aquela que seria uma das mais lendárias operações de bolsa de sempre, incluindo drama, ganância, vaidade e egos feridos, Johnson decidiu que queria ele liderar a operação. "Passou a perna" à KKR e contratou a Shearson Lehman Hutton para montar a coisa. As "bocas" de Kravis ao desperdício na empresa devem ter ajudado... Mas a malandragem acabou por não correr bem à gestão. No fim, os accionistas aceitaram antes a proposta da KKR.

Nunca a gestão incumbente poderia ter resolvido por si mesma os problemas da empresa e que deprimiam o preço das acções. Primeiro porque era ela própria responsável pelo desperdício. Segundo porque uma mudança na estrutura de capital na RJR Nabisco era impossível face à dispersão accionista e aos requisitos públicos de disclosure a que a empresa estava sujeita. O "mercado" não era por isso "irracional". Os agentes sabiam bem que se a estratégia defendida e executada pela gestão continuásse, a RJR Nabisco apresentaria sempre resultados líquidos relativamente medíocres, e por isso o preço das acções tinha de ser baixo. A partir do momento em que se tornou pública a existência de bids concorrentes para executar um leveraged buyout da empresa, e ficou patente que a probilidade de sucesso seria alta, o preço subiu, incorporando o valor actualizado dos tax shields, da venda de activos e de redução de gordura (a começar pelos 23 jactos privados).

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19 junho 2007

 

Barbarians at the gate I


Em mais um exemplo de refrescante iliteracia económica, o subtractor de velocípedes Nuno Teles pergunta (a respeito dos fundos de Private Equity):
"Este lucrativo mecanismo não é novo, mas realça algumas [d]as insuficiências do mercado como mecanismo de coordenação da economia. Supõe-se que a Bolsa de Valores fornece uma avaliação permanente do valor de cada empresa listada, da sua gestão e das suas perspectivas futuras. Se há oportunidades por explorar, como é que o mercado bolsista se deixa ultrapassar por estes fundos de Private Equity que de forma deliberada retiram estas empresas do escrutínio, supostamente eficiente e racional, dos mercados financeiros?"
No Small Brother, o Ricardo, o JLP e o FMP deram excelentes respostas, mas como esta deixa é demasiado boa para desperdiçar, aqui ficam os meus "dois cêntimos".

Os investimentos de Private Equity são essenciais a um bom funcionamento dos mercados de capitais. Eles não existem para explorar falhas do mercado. Eles fazem parte integrante dele, são um dos seus mecanismos. O seu papel é o de facilitarem a reorganização da estrutura de capital de determinadas empresas como forma de extrair maior rentabilidade dos seus activos. Fazem-no ao nível de investimentos particulares em empresas não cotadas em bolsa, daí o adjectivo "private", e também através de operações que pegam numa empresa cotada ("pública" no sentido anglo-saxónico de livremente transaccionada) e a retiram da bolsa, sendo este último o enfoque da pergunta acima de Nuno Teles.

O interesse dos fundos em retirar as empresas da bolsa advém de múltiplos factores. Em primeiro lugar, existe um custo operacional significativo de manter a "listagem". Normas burocráticas a ser cumpridas que deixam de fazer sentido quando a posse da empresa está concentrada em poucas mãos. Por sua vez, o interesse dos fundos em concentrar a posse da empresa em poucas mãos advém da flexibilidade resultante na tomada de decisões fundamentais que alterem a estrutura de capital da empresa e que por isso estariam sujeitas a complexos pactos accionistas no caso de posse dispersa.

Ao longa da vida de uma empresa, esta atravessa fases de evolução que requerem determinadas opções na elaboração da sua estrutura de capital ou financiamento para atingir os seus fins. Assim, uma empresa que começa não vai logo para a bolsa, nem recorre a um empréstimo obrigacionista, por exemplo. Já uma empresa em franco crescimento pode retirar vantagens de abrir o seu capital ao público como forma de diversificar o risco dos seus accionistas iniciais. De igual modo, empresas estáveis com perspectivas de pouco crescimento, estagnação, ou mesmo ligeira regressão, podem ser melhor servidas por uma estrutura de capital alavancada, onde os cash flows estáveis da empresa são usados para remunerar e amortizar dívida.

O facto das operações, tipicamente Leveraged Buyouts, envolvendo estes fundos gerarem grandes diferenças face ao valor de mercado pré-anúncio, não é falha de mercado. Pelo contrário, é um exemplo de como os agentes no mercado agem de forma maioritariamente racional. Enquanto na bolsa as acções das empresas são transaccionadas ao seu valor marginal, para o comprador numa OPA, as acções valem o preço equivalente da posição de controlo ou mesmo da totalidade da empresa, incluindo as alterações estratégicas que potenciem criação de valor, nomeadamente a eliminação da "listagem", o aumento da eficiência ou mudanças nas políticas de investimento.

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12 junho 2007

 

Engana-me que eu gosto


Manel: Ó Maria! Precisamos de um carro novo.

Maria: Carro novo?! 'Tás-te a passar? Onde é que a gente tem dinheiro p'ra isso?

Manel: Ó filha! Passei hoje em frente ao stand da BMW e o tipo faz-nos um preço imbatível. É um ganda negócio, acredita. Vamos poupar uns milhares de euros.

Maria: Tem tino ó Manel! A gente anda a contar os tostões para pagar o empréstimo da casa, da máquina de lavar, do apartamento no Allgarve, das férias do ano passado no safari no Quénia e no ski na Suiça. Onde é que a gente arranja dinheiro para um BMW?

Manel: Tem mesmo de ser, filha. Ouve o que te digo. O velhinho Volkswagen está a dar o berro. Um dia destes ainda ficamos parados no meio da estrada. Além disso, toda a gente na vizinhança tem carros novos. Já viste o 645 ali do Manolo do 5º andar?

Maria: És muita teimoso, Manel! A gente não tem dinheiro!

Manel: Teimoso!? Bolas, que botabaixismo! Olha, querida, para não dizeres isso, vou passar amanhã pelo stand da Mercedes e ver uma alternativa. E para mostrar como não sou intransigente até vou pedir ao meu sobrinho, que é engenheiro, para dar a opinião dele sobre qual a melhor escolha para nós, está bem assim querida? Assim não podes acusar-me de não ser razoável.

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11 junho 2007

 

Danos Colaterais


(também postado n'O Insurgente)

"Na lógica do engenheiro social, não há relação causal entre eventos tão díspares como (1) a criação de uma burocracia de assistência social e (2) a redução (após a passagem de alguns anos) na probabilidade de alguém, perante a morte do vizinho, ir cozinhar uma caçarola para o jantar da família enlutada. Na lógica que eu uso, essa causalidade existe e tem grande importância.

O meu argumento parte de duas premissas. Uma vem directamente de Aristóteles; a prática da virtude tem as características de um hábito e de uma arte. As pessoas podem nascer com a capacidade de serem generosas, mas só se tornam generosas pela prática da generosidade. As pessoas têm a capacidade de ser honestas, mas tornam-se tal apenas pela prática da honestidade. A segunda, para a qual não tenho uma fonte específica, é a resposta humana a que me referi várias vezes: As pessoas tendem a não fazer uma tarefa quando outrém a faz por elas. No nível micro, o diálogo entre o governo e o cidadão é parecido com algo como:

- Queres sair para alimentar quem tem fome ou vais ficar aí em casa a ver televisão?

- Estou cansado. O que é que vai acontecer se eu não fôr?

- Bem, nesse caso acho que tenho de ir eu.

- Se é assim, então vai tu."
- Charles Murray (tradução minha)

Uma suspeita que sempre tive é a de que a existência de programas públicos de assistência social, financiados via impostos, contribui para uma diminuição da generosidade privada. No fundo, que a beneficência coerciva acaba por asfixiar a genuína. As razões lógicas que levantam esta suspeita são fáceis de entender: diminuição do rendimento líquido disponível, ou repúdio pela ideia de que o apoio social é um "direito", com o consequente "dever" dos outros.

Em 1988, no seu livro In Pursuit: Of happiness and Good Government, Charles Murray analisa a questão estatísticamente e mostra existir uma contracção significativa da beneficência privada quando existe uma política oficial de aumento dos apoios sociais estatais. Nos dez anos anteriores à eleição de John F. Kennedy, durante os quais esses apoios baixaram, a filantropia privada aumentou de 2% do rendimento disponível até cerca de 2,7%. Dessa altura até 1980 (quando Ronald Reagan foi eleito), baixou até 2,1% (apenas com uma ligeira estagnação durante os anos Nixon-Ford). Foram os anos de maior expansão dos programas sociais norte-americanos. Daí até a 1986, antes da edição do livro, voltou a subir, chegando a cerca de 2,5%.

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06 junho 2007

 

Segredos de Estado


Parece que o Ministério da Educação não quer portugueses nas Olimpíadas da Física que têm lugar este verão no Irão. Talvez Maria de Lurdes Rodrigues esteja preocupada com a possibilidade dos nossos "cérebros" inadvertidamente ajudarem no programa nuclear do caricatural Ahmadinejad...

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03 junho 2007

 

Liberdade e Justiça


(também postado n'O Insurgente)

A justiça é um conceito comparativo, na medida em que confronta uma situação real (facto) com uma situação ideal (valor). Este confronto ocorre no contexto de que cada indivíduo vive inserido numa determinada sociedade. A justiça é por isso uma avaliação comparativa que diz respeito às interacções entre indivíduos, isto é, factos resultantes de acções individuais versus valores individuais (que podem ser partilhados ou não). Se alguém nasce homem e gostava de ser mulher, não se pode dizer que lá por ele ser homem que isso é uma injustiça. Falta a acção causal de outra parte; ou mesmo do próprio, na medida em que a sua natureza não depende dele.

A natureza da justiça está por isso intimamente ligada com a natureza dos valores. Aqueles que acham que os valores são intrínsecos e revelados/descobertos, tenderão a ter a mesma abordagem perante a justiça, achando-a absoluta. Os que acham que são subjectivos, tenderão a ver a justiça numa óptica puramente relativa. Isto dando de barato que pelo menos nos factos haverá terreno comum. Lamentavelmente não faltam exemplos de quem acha que os factos são democráticos e que estão sujeitos a consensos ou “negociação”. A minha opinião é que é possível identificar um conjunto de valores objectivos que podem servir de base a uma justiça racional, sempre contextualizada. Bem como que em matérias onde não é possível estabelecer essa objectividade também não faz sentido falar de justiça. Se alguém gosta de Rachmaninoff e este ano nenhuma orquestra na cidade se dispõe a tocar uma peça sua, não é uma questão de justiça.

Estes valores objectivos começam necessariamente na vida de cada um. Quem está morto não dá valor a nada. A partir daqui será possível estabelecer uma hierarquia de valores onde necessariamente, partindo da vida, virão a liberdade (para viver e agir) e a propriedade (enquanto fruto da acção individual). Será então possível chamar à defesa destes valores objectivos “direitos naturais”. Isto é, “direitos naturais” são as normas racionalmente definidas que permitem ao indivíduos viver em sociedade preservando os valores objectivos fundamentais de todos. Por isso, vida, liberdade e propriedade precedem a justiça. Tal como o indivíduo precede a sociedade e os valores precedem o direito.

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