Crónica do Migas
Beneath this mask there is more than flesh. Beneath this mask there is an idea, Mr. Creedy, and ideas are bulletproof.

31 outubro 2006

 

As Origens do Liberalismo


Depois de lançar telegraficamente um interessante debate no Blasfémias, Pedro Arroja sugere São Tomás de Aquino como sendo o "pai" do liberalismo. Se é verdade que São Tomás de Aquino contribuiu imensamente para a filosofia moderna, com influência que chega a pensadores não religiosos, também o é que significativa parte do valor dessa contribuição é materializada na reconciliação, e sistematização, do pensamento católico com Aristóteles. Nesse sentido, sugiro que as origens do liberalismo podem ser "traçadas" até ao filósofo grego, e que o papel do cristianismo foi mais de condutor, e possivelmente até de catalisador, da "corrente" aristotélica. Não é certamente por acaso que um "analista de sistemas" identificou a "velhinha lógica aristotélica" com certos "radicais"...

Muito interessante também a thread subsequente sobre a escola de Salamanca, incluindo o post de Luciano Amaral n'O Insurgente, e os comentários a este de Carlos Novais.

Na mesma ordem de ideias, e chegando mais perto das ideias cá da casa, é também importante a ligação entre São Tomás de Aquino (e inevitavelmente Aristóteles) e o objectivismo. Em particular no reconhecimento da razão como ferramenta de conhecimento da realidade e da observação de que o natureza moral de um acto advém do seu fim, e que esse julgamento está dependente do livre arbítrio consciente do sujeito em atingir esse fim.

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29 outubro 2006

 

De Boas Intenções...


Aqui estão duas pequenas observações relativas a posições da Assembleia Geral do MLS:
“Foram ainda aprovadas várias outras moções sobre, entre outros temas: a liberdade dos trabalhadores para substituir cinco dos actuais feriados religiosos (Sexta-Feira Santa, Corpo de Deus, Assunção de Nossa Senhora, Todos os Santos, e Imaculada Conceição) por feriados pessoais ou de outras religiões (...)”
Embora compreenda a boa vontade por trás desta proposta, ela parece-me não só de complicada exequibilidade, como também algo desligada da realidade do que são feriados.

Os feriados existem por ter relevância social. Em Portugal existem feriados católicos porque a maioria da população é católica. Do mesmo modo, na Arábia Saudita deverão haver feriados muçulmanos, e na Índia, feriados hindus. No dia em que esses feriados deixarem de ter relevância social, por exemplo através de um pronunciado declínio da religião dominante ao longo de duas ou três gerações, eles devem ser extintos; não substituidos por “feriados pessoais”.

Em termos práticos, o potencial para confusão causada pela possibilidade de “trocar” feriados de forma obrigatória (isto é, com o estado a substituir-se à liberdade contratual entre empregador e empregado) é significativo. Imaginem o ridículo de uma grande empresa com centenas de empregados em que meia-dúzia deles exige trabalhar na Sexta-feira Santa para poder “trocar” por um qualquer outro “feriado”. Ou uma pequena empresa de comércio em que uns poucos empregados convertidos ao Naturalismo Druida querem “gozar” o feriado do solistício de inverno no pico da época de compras no Natal...
“(...) a utilização de software de ponto de venda (POS) em código aberto, como forma de combate à fuga ao fisco (...)”
Eh lá! Se isto não é uma grosseira invasão de privacidade que faria os wet dreams do mais totalitário Big Brother, então não sei o que seria...

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27 outubro 2006

 

Chavões Esquerdistas


1) As pessoas são mais importantes que a economia

Não. As pessoas são a economia. O mais importante é a vida da pessoas, a sua existência. Esta, só pode ser preservada graças ao trabalho e à capacidade produtiva delas e de outras pessoas; isto é, graças à economia. Quem menospreza a economia está no fundo a afirmar que a existência das pessoas é supérflua. Não é, portanto, de espantar que os regimes que menos importância dão à economia sejam aqueles onde morre mais gente e onde a vida humana tem menos valor na prática institucional.

2) Os ricos que paguem a crise

Pois. A verdade é que os ricos já pagam a crise. As crises, em termos médios, são pagas por todos na proporção da sua riqueza, sendo que o impacto, via necessidades básicas, é mais sentido pelos mais pobres. O problema é que o sobre-taxar das posses ou rendimentos dos mais ricos diminui o seu investimento, o que acaba por causar sofrimento desproporcional aos que dependem dele para as suas necessidades básicas (e vão para o desemprego). No fundo esta ideia de sobre-taxar os ricos para “pagar a crise” é a defesa do consumo face ao investimento; é hipotecar o futuro para gastar no presente.

3) O comunismo é um bonito ideal na teoria

A prática comunista é uma consequência directa da sua teoria. O comunismo tem como origem a ideia marxista de que existem classes em conflito. O seu objectivo final é a criação de uma sociedade sem classes. Acontece que os homens não são todos iguais; nem querem ser. Por conseguinte, surgirão sempre novas formas de perpetuar a desigualdade (mantendo a separação das classes). Isto significa que o prolongamento do comunismo no tempo não elimina as classes, o que implica uma conflitualidade permanente. Ou seja, o fim de tornar os homens iguais só pode ser atingido pela força (e como mostra a história, nem assim).

4) A educação (ou a saúde) não é um negócio

A educação e a saúde são serviços que alguém tem de prestar. Como ninguém trabalha de borla e é preciso muito investimento em equipamento para os prestar com qualidade, é evidente que são negócios. Quem acha que não são devia apelar ao altruismo dos sindicatos dos professores, médicos e enfermeiros e explicar-lhes essa “máxima”. É que pelas enérgicas greves, manifestações e acções de protesto na defesa dos seus interesses “de classe”, parece mesmo que os sindicatos também acham que ali há negócio. Pelo menos para eles.

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26 outubro 2006

 

Aves Raras


Escreveu Henrique Raposo no Blog da Revista Atlântico:
Con Coughlin, no Telegraph, sobre os fracassos ideológicos do liberalismo radical neoconservador no Iraque.
Que estranha criatura será um liberal-radical-neoconservador? Será um neoliberal-neoconservador? Um comunista-liberal? Um conservador-progressista? Será como o Luis Filipe Vieira, um neobenfiquista-portista-sportinguista-alverquista-nas-horas-vagas? Um yin-yang? Um porco agridoce? Alguém que anda solitário entre a gente e que nunca se contenta de contente?

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25 outubro 2006

 

As Lições do Tonecsky


Lição de Ciências Naturais

Professor: Menino Tonecsky, diga que partes da vaca se encontram num talho.
Tonecsky: Bem, Camarada Professor, as mãos, o rabo, os miolos, a língua...
Professor: E então o lombo, o acém, a vazia ou as costeletas?
Tonecsky: Ah, Camarada Professor! Não tinha percebido que era um talho para membros do Politburo...


Lição de Estudos Sociais I

Tonecsky: Camarada Professor?
Professor: Diga, menino Tonecsky.
Tonecsky: Quem inventou o comunismo? Foram cientistas?
Professor: Ora francamente, Tonecsky! Devia saber que o comunismo foi inventado por grandes comunistas como os camaradas Marx, Lenin ou Stalin...
Tonecsky: Ah! Logo vi. Se tivesse sido por cientistas, eles tinham testado em ratos primeiro.


Lição de Estudos Sociais II

Tonecsky: Camarada Professor! Como vai ser o comunismo quando atingir a perfeição?
Professor: Ora, menino Tonecsky, toda agente terá tudo o que precisa.
Tonecsky: E se houver falta de carne?
Professor: Nesse caso, os talhos afixarão um anúncio a dizer "Hoje Ninguém Precisa de Carne".

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23 outubro 2006

 

Energia Mal Dirigida


E se esta gente em vez de gastar tanto esforço e tempo a combater algo que equivale a "amendoins" usásse essa energia toda em combates que realmente valem a pena?

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22 outubro 2006

 

Humor e Sabedoria de Ronald Reagan


As nove mais aterradoras palavras na língua inglesa são: "Eu sou do governo e estou aqui para ajudar".

Houve alturas em que me interroguei como teriam resultado os Dez Mandamentos se Moisés os tivesse discutido no Congresso dos Estados Unidos.

A visão que o governo tem da economia pode ser resumida em algumas frases curtas: Se se mexe, taxa-se. Se continua a mexer, regula-se. Se parar de mexer, subsidia-se.

Enquanto profissão, a política não é má. Se somos bem sucedidos, há várias recompensas. Se caimos em desgraça, podemos sempre escrever um livro.

O governo é como um bébé. Um canal alimentar com um enorme apetite numa ponta e nenhum sentido de responsabilidade na outra.

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20 outubro 2006

 

Raciocínio Lógico-Matemático


Além de alguma dificuldade em fazer contas, é surpreendente a incapacidade de alguma esquerda em compreender o que é uma falácia. Uma falácia é um exemplo de uso defeituoso da lógica. Comparar o que não é comparável, ou saltar passos numa indução, ou introduzir/omitir factores numa relação de causalidade, entre outras coisas. Por isso, não se pode chamar falácia a uma ideia só porque não se gosta dela ou porque é contrária à escala de valores que determinado sujeito defende.

Mas enfim... Como dizia o outro: os perigosos ultra-neo-liberais insistem em usar a velhinha lógica aristotélica. Que coisa tão passé.

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17 outubro 2006

 

Quando Toca Aos Meus Já Não Acho Piada


Vital Moreira chocado com o jornalismo de causas que para aí vai:
"Numa notícia sobre a projectada concentração de meios da polícia judiciária, hoje aparecida no Público, o jornalista começa por a qualificar como "economicista". Relato ou opinião? Jornalista ou comentador?"

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15 outubro 2006

 

De Onde Vem o Estado


N'A Arte da Fuga, o António Costa Amaral dá-nos uma analogia que arrepia de tão adequada.

As primeiras formas de "estado", ou organizações políticas baseadas na "ordem", surgiram após a invenção da agricultura. A capacidade de acumular tornou possivel a existência de uma classe que não produzia, mas antes subsistia graças à acumulação resultante do trabalho alheio. Em troca, ofereciam "protecção" ou, mais concretamente, a "ausência de agressão". É uma forma de organização de poder que subsiste até hoje na forma de protection rackets (ou extorsão).

Com o iluminismo e a evolução do pensamento no sentido de combate aos poderes absolutistas, tornou-se mais difícil a sobrevivência deste tipo de estado (que ainda assim continua a existir abundantemente mundo fora). Assim, os estados evoluiram para formas onde o seu rent seeking seja mais obscuro; mascarado atrás de supostos benefícios para os seus "súbditos". Mas o factor que realmente permite a estes estados continuarem a existir é a característica parasita-simbiótico que "mata" o hospedeiro que tentar livrar-se dele.

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13 outubro 2006

 

Um Copy Desk Faz Muita Falta


No PortugalDiário:
"Por dia, uma vaca pode arrotar 500 litros de metano por dia."
(via My Guide To Your Galaxy)

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06 outubro 2006

 

Juízos, Factos e Valores


Ora aqui está um tema interessante para discutir, que a coisa tem andado meio morna. No seguimento do anúncio da iminente (e para alguns eminente) colaboração de Pedro Arroja no Blasfémias, Fernanda Câncio postou uma entrevista que lhe tinha feito há mais de uma década. Nessa entrevista, Arroja cita um estudo de Robert Fogel onde este conclui que os escravos na América do século XIX viviam melhor (em termos económicos) que os trabalhadores livres (fossem estes brancos ou negros). Isto gerou comentários, acusações de racismo e, no Blasfémias, João Miranda chamou a atenção para a necessidade de separar juízos de facto de juízos de valor. Nem Fernanda Câncio nem António Figueira alinham nesta separação. Aparentemente José Barros também não, embora por razões diferentes. A coisa culminou com João Miranda a perguntar a Fernanda Câncio se ela tem a certeza que percebe porque é que a escravatura é condenável, e a afirmar:
"um liberal condena a escravatura porque ela se baseia na violação da liberdade do escravo e aprova o capitalismo porque ele se baseia na liberdade individual de todos. um liberal condenaria a escravatura mesmo que os escravos vivessem como lordes e aprovaria o capitalismo mesmo que num sistema capitalista se vivesse miseravelmente."
O debate sobre a separação ou não de factos e valores (e dos seus respectivos juízos) é estéril se não definirmos o que entendemos ser a natureza dos valores. E dos factos também, embora hoje em dia só mesmo um marxista paleolítico é que, por via da dialética materialista e do seu doublethink Orwelliano, defenderia a possibilidade de arbitrariamente reinterpretar a realidade.

Se há coisa que João Miranda é, é consistente. Para alguém que vê o liberalismo numa óptica positiva e não normativa, é essencial distinguir factos e valores, sendo, na sua visão, os primeiros positivos e objectivos enquanto os últimos normativos e subjectivos. O mesmo se aplica à maioria dos liberais relativistas. Já quem defende que os valores são intrínsecos, não pode ter outra visão que não seja a identidade de factos e valores. Para eles, um facto é um facto, e um valor é também um facto; uma verdade revelada ou pela via sobrenatural ou pela via social-colectivista. Para os puramente subjectivistas, as diferenças também não são relevantes, tanto factos como valores são subjectivos e variam com os caprichos de cada um.

Como já referi aqui e aqui, tenho uma opinião diferente, objectivista, mas não ortodoxa: Factos e valores são coisas diferentes, mas não podem ser filosoficamente separados. Um facto é uma espécie de valor, na medida em que a sua natureza de verdade é "boa". Ou dito de outra forma, negar os factos, de forma consciente, é errado. Mas mais importante, um valor é uma espécie de facto, na medida em que a sua natureza de certo ou errado seja verdadeira (ou falsa). No fundo, a ética necessita da epistemologia, tal como esta necessita da metafísica. Esta opinião também não está isenta de problemas. Por alguma razão os problemas facto/valor e ser/dever-ser são temas tão recorrentes no debate filosófico. A questão aqui é que existem valores claramente subjectivos (p.ex. gostar de Rachmaninoff) e claramente objectivos (p.ex. gostar de viver em liberdade). A origem epistemológica dos primeiros é difusa, ao contrário da dos segundos. Em alguns casos uma abordagem ao estilo Imperativo Categórico de Kant ajuda a identificar a diferença, mas como um terrorista suicida pode estoirar-se e arrastar outros com ele sem violar a "máxima", este torna-se um método deficiente...

O problema facto/valor, para além dos aspectos éticos/morais acima apontados, tem também implicações epistemológicas. Que até podem ser mais importantes em termos do seu impacto na vida das pessoas. Não é por acaso que a esquerda tem evoluido para uma posição intrinsicista. Se originalmente queria moldar o conhecimento a partir da distorção da realidade permitida pela dialéctica materialista, hoje em dia molda-o através do seu condicionamento moral. O intrinsicista não aprecia muito factos, especialmente quando estes contradizem os seus valores supostamente factuais.

A mistura intrinsicismo-doublethink na esquerda torna-se muito mais perigosa ao usar a ciência como veículo para propagação de dogmas ideológicos. Se nos tempos antigos as suas abordagens nesta área eram rudimentares e contestadas pela maioria dos cientistas
, como no caso de Stalin e do seu pseudo-agro-cientista Trofim Lysenko, hoje em dia as abordagens são mais sofisticadas. A campanha de Al Gore sobre o aquecimento global é um excelente exemplo.

Gore deliberadamente confunde os aspectos factuais com os aspectos morais na questão. No seu livro Earth in the balance, por exemplo, acusa os cépticos (relativamente à teoria do aquecimento global) de estarem no mesmo plano moral daqueles que não se opuseram a Hitler quando este chegou ao poder. De igual modo, o valor moral da vida e a "bondade" de querer evitar a destruição do planeta não são relevantes para a questão factual em causa.

Como referiu Michael Crichton, as constantes referências de Gore a um "consenso" ciêntifico são irrelevantes. Os factos não são democráticos. Basta um céptico que eventualmente tenha razão para deitar por terra o "consenso". E apesar de existirem estes cépticos, as suas teorias são ignoradas da mesma forma que muitas vezes são as opiniões políticas de grupos menos representativos. Este tipo de argumento aplica a lógica de decisões políticas (orientadas por valores comuns dos envolvidos) à ciência. O mecanismo de subsídios estatais à investigação científica acaba por reforçar este efeito, pois promove estudos que sejam conducentes a confirmar as opiniões não fundamentadas dos decisores políticos.

Adicionalmente, os incentivos para apresentar projectos que pretendam testar hipóteses que suportem o aquecimento global são maiores (pois implicam mais acções e tentativas de desenvolver "remédios") do que para projectos que pretendam o contrário (pois implicam não fazer nada, ou fazer menos). O efeito final pode ser a descredibilização total da ciência, tornando-a para a maioria das pessoas como algo que se escolhe da mesmo forma que opiniões políticas. No fundo imbebendo a ideia de que a realidade é uma questão de escolha.

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04 outubro 2006

 

Jornalismo de Causas II


Mais um exemplo de rigor jornalístico, na defesa de causas, no Diário Digital: "Um terço do planeta será deserto em 2100, prevê relatório". Diz o artigo (negritos meus):
"Pelo menos um terço do planeta será deserto em 2100, indica um relatório do Centro Hadley para a Previsão e as Investigações sobre o Clima, dependente do Instituto Meteorológico do Reino Unido, sendo a primeira vez que é quantificado o risco de seca induzido pelas alterações climáticas."
O mesmo artigo, contudo, afirma depois:
"O impacto pode ainda ser maior que o previsto no relatório, já que este não tem em conta os potenciais efeitos sobre o planeta das alterações induzidas pelo efeito de estufa."
Pois. Em que ficamos? Afinal a coisa foi quantificada ou não? E já agora, um terço do planeta em 2100, tendo em conta que segundo as Nações Unidas os números já estão aí perto, não será um exercício "zandinguesco" de adivinhação, podendo errar grosseiramente por defeito, ou quem sabe, até por excesso? Será o relatório que é mau ou o/a autor(a) do artigo que não se deu ao trabalho de se informar antes de o deitar cá para fora?

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